O Presidente da República afirmou não estar surpreendido com as 424 queixas de abusos sexuais contra crianças na Igreja Católica e considerou que não é um número “particularmente elevado” comparado com “milhares de casos” noutros países.
Questionado pelos jornalistas, nos jardins do Palácio de Belém, em Lisboa, sobre este número de testemunhos divulgado pela designada Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: “Não me surpreende”.
O chefe de Estado disse que tem acompanhado o trabalho desta comissão e salientou que “não há limite de tempo para estas queixas” que têm estado a ser recolhidas, algumas “de pessoas com 90 anos, 80 anos e que fazem denúncias relativamente ao que sofreram há 60 ou há 70 ou há 80 anos”.
“Significa que estamos perante um universo de pessoas que se relacionou com a Igreja Católica de milhões ou muitas centenas de milhares”, acrescentou o Presidente da República, concluindo: “Haver 400 casos não me parece que seja particularmente elevado, porque noutros países e com horizontes mais pequenos houve milhares de casos”.
Segundo Pedro Strecht, coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, houve até agora “424 testemunhos recolhidos”, mas “o número mínimo de vítimas será muitíssimo maior do que as quatro centenas e os abusos compreendem todas as formas descritas na lei portuguesa”.
“A maior parte das situações encontra-se juridicamente prescrita”, adiantou o pedopsiquiatra.
O Presidente da República disse que tem “acompanhado desde o início a atividade” desta estrutura constituída por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa, que recebeu “há talvez um mês”.
A comissão coordenada por Pedro Strecht “está a preparar o relatório final que vai apresentar dentro de dias ou dentro de pouco tempo”, adiantou Marcelo Rebelo de Sousa.
Interrogado se as queixas de abusos sexuais contra crianças na Igreja Católica Portuguesa podem manchar a Jornada Mundial da Juventude do próximo ano em Portugal com a presença do papa Francisco, o chefe de Estado considerou que “não tem nada a ver” e que “nunca se é manchado quando se pretende apurar a verdade”.
“Em democracia ganha-se sempre com o exercício da liberdade”, prosseguiu, defendendo que processos como este devem obrigar “as instituições a reverem-se”.
“Todas as instituições, igrejas, escolas, instituições de solidariedade social, que tenham determinado tipo de comportamentos que venha a provar-se que são criminosos estão obrigadas a fazer uma revisão de vida, mas isso é bom. Eu acho bom. Eu acho que é bom haver transparência na democracia. O que é negativo é haver opacidade na democracia”, reforçou.
Marcelo Rebelo de Sousa frisou ainda que perante a lei e a Constituição “os cidadãos são todos iguais, sejam Presidente da República, primeiro-ministro, deputados, líderes de igrejas, sejam líderes patronais ou sindicais”.