- Texto de opinião de Luís Sousa
Médico
Todos nós valorizamos as enormes virtudes do Serviço Nacional de Saúde que contribuiu para elevar a qualidade da prestação dos nossos cuidados de saúde para um patamar digno de um país desenvolvido. O SNS desenvolveu-se numa ótica de melhoria contínua, o que nos permite, apesar das insuficiências vigentes, ter orgulho no caminho instituído e nos valores e princípios que sustentaram a sua fundação. Neste percurso de quase 50 anos foi necessário ir aprimorando as respostas do sistema.
Hoje, é-nos fácil reconhecer que o SNS, isoladamente, não está a conseguir dar resposta àquilo que são as necessidades atuais da nossa população. Os meios nem sempre chegam para atingir os fins. Precisamos de um SNS que aproveite todos os recursos possíveis que o país apresenta, como, aliás, já assim faz em vários domínios como a prestação de exames complementares de diagnóstico, consultas e cirurgias, onde as Misericórdias têm um papel fundamental.
Considerando este introito e centrando a reflexão na nossa terra, o ponto que pretendo elencar neste artigo visa chamar a atenção para aquilo que considero ser um bom exemplo do que se passa aqui bem perto e que poderia, também, ser replicado por Vila Verde. Em 2022, a ARS Norte celebrou um acordo de cooperação com a Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso, com a duração de 5 anos, acordo que está disponível ao domínio público, e que visa a integração da referida Misericórdia na “rede nacional de prestação de cuidados de saúde, em complementaridade com o SNS”. As áreas de prestação do acordo abrangem as consultas externas e as cirurgias de ambulatório e de internamento em várias especialidades e exames complementares de diagnóstico.
Porém, o ponto diferenciador deste acordo de cooperação que eu considero muito relevante para as populações abrangidas é a disponibilização de serviços de consulta aberta. A consulta aberta é uma consulta que “ocorre sem marcação prévia e sem referenciação para resolução de situações agudas (ou seja, com aparecimento recente), que não sendo urgências nem emergências, carecem de resolução rápida (no mesmo dia ou em horas)”.
Ora, este ponto do acordo de cooperação permite disponibilizar à população povoense o atendimento em situações agudas (consulta aberta) de segunda a sexta-feira entre as 20h e as 24h e aos sábados, domingos e feriados entre as 8h e às 24h. Comparando com o que temos disponível em Vila Verde, através do Serviço de Atendimento Permanente (SAP) nas instalações do Centro de Saúde de Vila Verde, são bem evidentes as diferenças! Temos SAP a funcionar apenas aos sábados, domingos e feriados entre as 8h e as 13h, não existindo oferta durante a semana após o fecho das Unidades de Saúde Familiar.
Não defendo, com isto, o alargamento do horário e dos dias de abertura do SAP em Vila Verde, pois isso implicaria a alocação de recursos ao sistema que seria difícil de conseguir com eficiência. Defendo, no entanto, que deveríamos aproveitar a mais-valia de termos um Hospital da Misericórdia no nosso território e seguir o bom exemplo da Póvoa de Lanhoso.
Quantos são os utentes que se dirigem ao SAP e não conseguem consulta por incapacidade de resposta do sistema? Quantos destes utentes têm de dirigir-se ao serviço de urgência do Hospital de Braga, contribuindo para o aumento da procura e a consequente quebra da qualidade do serviço prestado? Quantos acabam por acorrer a serviços de saúde privados para conseguirem uma resposta?
Não faço ideia se existe interesse por parte das entidades que gerem o SNS e, também, por parte da Santa Casa da Misericórdia de Vila Verde, para a celebração de um acordo que possibilitasse a melhoria da acessibilidade dos cidadãos do concelho a serviços de atendimento no contexto de doença aguda mas, considero que a sua existência seria uma mais valia para a nossa população.
Também reconheço que um acordo desta natureza deve servir os interesses de todas as partes envolvidas, quer quem financia, quer quem presta os cuidados. Nesta matéria deve haver justiça. É inegável a mais-valia que a Santa Casa da Misericórdia de Vila Verde presta à nossa população e tenho pena que o nosso SNS não aproveite de forma ainda mais vincada a mais-valia desta instituição de saúde de tão boa qualidade, tão perto das nossas portas!