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Violência sexual contra crianças e jovens: uma realidade preocupante

Opinião de Rafael Gonçalves Fernandes
Criminólogo

Todos os crimes são censuráveis. Mas a violência sexual trata-se efetivamente de uma das formas de criminalidade mais execráveis e repugnantes, em especial quando é praticada contra crianças e jovens.

Entende-se como violência sexual contra crianças e jovens todo o tipo de comportamentos de cariz sexual praticados contra alguém com menos de 18 anos de idade.

O Código Penal Português prevê uma panóplia de crimes de natureza sexual contra crianças e jovens, nomeadamente atos exibicionistas; propostas de teor sexual; fomentar, facilitar ou promover a prostituição de menores de idade; importunação sexual, entre outros. Existem certas situações que, se verificadas, podem levar a um agravamento da pena de prisão, como a ligação entre vítima e agressor/a; o perigo causado para a integridade psíquica e física da vítima; as consequências geradas pelo crime; a vulnerabilidade da vítima.

Salvo a exceção do crime de atos sexuais contra adolescentes (art.º 173.º do Código Penal), todos os crimes de cariz sexual praticados contra menores são crimes de natureza pública, pelo que a denúncia pode ser apresentada por qualquer pessoa que tenha conhecimento de um destes crimes. Com a punição destes atos criminosos, pretende-se proteger a livre autodeterminação da criança e jovem. Uma vez que tais atos podem interferir seriamente no seu desenvolvimento saudável.

As consequências diferem de pessoa para pessoa, mas podem ir desde sequelas físicas; enurese; vergonha; medo; falta de confiança para estabelecer relações; transmissão de doenças infectocontagiosas; entre outras.

É um crime que não descrimina, pois qualquer criança ou jovem pode ser vítima de violência sexual, independentemente da sua idade, sexo ou condição económica. Não obstante, há um conjunto de fatores que, se verificados, podem colocar o menor em maior risco de ser vítima destas práticas, particularmente: necessidades especiais; isolamento social; estilos parentais punitivos; falta de conhecimento sobre estes crimes.

Segundo dados da Polícia Judiciária, a criminalidade sexual representa cerca de 10% do total de crimes investigados pela PJ. Sendo que nesses crimes, cerca de 65% a 70% são praticados contra menores. De todos os crimes sexuais praticados contra menores investigados pela PJ em 2023, cerca de 51% foram cometidos no âmbito familiar. Se adicionarmos a esses casos os professores, treinadores, vizinhos ou outras pessoas presentes na vida quotidiana do/a menor, verifica-se que 65% destes crimes ocorreram em ambiente de proximidade. A média de casos investigados pela PJ é cerca de 2.300 por ano. Na maioria dos casos as vítimas têm entre 8 e 13 anos. Trata-se de um crime que envolve cifras negras muito acentuadas. Entende-se por cifras negras os casos em que os órgãos de polícia criminal não têm conhecimento, pois não houve denúncia. Como tal, a realidade deste crime é ainda mais gravosa do que aquela representada nas estatísticas.

É imperativo que se comece a atuar, de modo a reduzir o risco das crianças e jovens virem a ser vítimas deste tipo de crimes. É um trabalho que deve partir de casa e das escolas, e que deve começar desde tenra idade. Às crianças deve ser ensinado o que é normal ou não, e quais os limites que não devem ser ultrapassados nas interações com os outros no seu dia a dia. Numa primeira parte é essencial que compreendam o seu corpo, de modo a que identifiquem as suas zonas íntimas, zonas essas que não podem ser tocadas nem vistas por pessoas que não são da sua confiança. É necessário que compreendam quais os toques apropriados e inapropriados, permitindo-lhes assim denunciar possíveis situações abusivas.

Se a criança não tiver esse tipo de conhecimento, um toque de cariz sexual pode passar como desapercebido e não ser denunciado. Uma boa ajuda para fomentar este tipo de conhecimento nas crianças é o livro “O semáforo do Toque”, desenvolvido pela Dra. Carina Guímaro (criminóloga de formação), onde através das cores dos semáforos ensina às crianças quais os toques normais (cor verde), os toques estranhos (cor amarela) e os toques proibidos (cor vermelho). Outro elemento chave é a criança ou jovem ter uma pessoa de confiança para contar as situações em que possa estar em perigo, pois pouco adianta ter conhecimento sobre este tipo de crimes se não tiver um ambiente confortável e seguro para denunciar as possíveis situações.

A violência sexual é um crime hediondo, que atinge severamente a integridade das vítimas. Se porventura tivermos conhecimento de um caso, é obrigação cívica de cada cidadão denunciar este tipo de crimes.

Fontes:

APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
Código Penal
O Semáforo do Toque
Polícia Judiciária

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