O ex-presidente da Câmara de Barcelos Miguel Costa Gomes remeteu-se, esta segunda-feira, ao silêncio no início do julgamento, no qual responde por prevaricação, falsificação, perseguição e abuso de poderes, crimes alegadamente cometidos num concurso público para prejudicar um candidato.
Na primeira sessão de julgamento, que decorre no Tribunal de Braga, o antigo autarca do PS, que liderou o município de Barcelos, distrito de Braga, entre 2009 e 2021, disse ao coletivo de juízes que apenas pretende “prestar declarações após a produção de prova”.
O processo, que se centra num concurso público, iniciado em 2015, para preenchimento de postos de trabalho no município (Núcleo de Desporto e Juventude), tem mais três arguidas, que, à data dos factos, duas eram diretoras de departamento e outra chefe de divisão, constituindo o júri do concurso, sendo também arguido um candidato, supostamente favorecido, que é atualmente chefe de divisão da Juventude e Desporto da autarquia.
A acusação do Ministério Público (MP) sustenta que os arguidos agiram com intenção de prejudicar um candidato, “genro de membro da comissão política” com quem o arguido Miguel Costa Gomes “mantinha dissenso político”.
O MP considerou também indiciado que aquele procedimento concursal só foi levado a cabo para formalizar a integração nos quadros do município de Barcelos de 31 trabalhadores oriundos de uma empresa municipal dissolvida, cujos serviços foram absorvidos pelo município.
Por isso, diz o MP, o procedimento, “apesar da aparência concursal e concorrencial, foi “orientado desde o início para que os 31 lugares a concurso fossem entregues aos trabalhadores provindos da referida empresa municipal”.
Ainda segundo o MP, 30 dos lugares foram efetivamente entregues àqueles trabalhadores, ficando de fora apenas um, “o que se deveu à circunstância de ser genro de membro da comissão política com quem o arguido presidente mantinha dissenso político”.
Neste contexto, o arguido candidato ao concurso foi “beneficiado” pelos demais arguidos, “já que lhe permitiram completar duas das respostas na sua prova escrita de conhecimentos, em momento posterior à sua realização, para que pudesse beneficiar da cotação máxima nas questões a que respeitavam e ser um dos candidatos com melhor pontuação na prova escrita”.
Uma das arguidas e presidente do júri do concurso em causa explicou hoje ao tribunal que o concurso serviu para “internalização” dos funcionários de uma empresa municipal de desporto, adiantando que a autarquia “precisava desses recursos humanos”.
A arguida contou que todo o processo de recrutamento, que contemplava a realização de uma prova escrita e de uma entrevista profissional, decorreu “com normalidade”.
A atual técnica superior do município de Barcelos disse lembrar-se, contudo, da entrevista realizada a Tiago Carvalho, arguido neste processo e supostamente beneficiado, que se “destacou” dos demais candidatos “pelo conhecimento dos serviços, pela desenvoltura, pelo à-vontade que demonstrou e o trabalho em equipa”, razão pela qual “teve a melhor nota”.
Uma perícia feita à prova escrita deste candidato admite ter havido adulteração das respostas, em momento posterior à realização da mesma, dando conta de que foram usadas canetas diferentes e que as respostas não foram escritas “de forma simultânea”.
A arguida disse desconhecer ter havido a alegada adulteração da prova, não sabendo dar resposta a uma situação que classificou “não ser normal”.
Depois de uma providência cautelar interposta pelo funcionário da câmara que se sentiu lesado, Miguel Costa Gomes exarou um despacho, em julho de 2017, determinando que este passasse a exercer funções em gabinete de departamento do município, no pavilhão municipal de Barcelos, “a exercer funções que materialmente se resumiram ao confinamento em gabinete exíguo, quase sem luz natural, atrás de uma secretária, sem qualquer função concreta atribuída e sem interagir com qualquer colega de trabalho”, situação que se prolongou por cerca de um ano.