Natural de Belo Horizonte, Minas Gerais, professora de Matemática (professora universitária dos cursos de engenharia e tecnologias no Brasil), residente em Braga desde 2016, criadora do Olhar Brasileiro em Portugal, apresentadora do programa ‘Olhar de Lá e de Cá’ na Rádio Universitária do Minho e administradora da TV Olhar lançada em Janeiro passado, este é o retrato rápido de Alexandra Gomide, 50 anos.
Presidente da associação de União, Apoio e Integração (UAI) aos imigrantes da comunidade luso-brasileira em Portugal, Alexandra Gomide conta no primeiro nome o que é a sensação de toda uma comunidade “ficar sem chão” quando “muitos sonhos de repente acabam”.
“Você sabe, o brasileiro tem uma característica que é interessante. É muito optimista. No meio disto tudo, desta pandemia do novo coronavírus, estão a lutar. Sentimos a preocupação, mas também a muita garra para que tudo vá dar certo. Acreditamos que tudo vai dar certo.
A Fé é importante nestas alturas. Esse apego às orações, aos cultos da religião de cada um segue é muito importante.
Sabe, quando a gente toma a opção de sair do país deixa muita coisa para trás, e normalmente, o que fica para trás são coisas muito importantes. São os pais que ficaram lá, os avós que ficaram lá, pessoas que neste momento estão muito vulneráveis, que são do grupo de risco.
Não é o meu caso, porque a minha mãe, por exemplo, está amparada por dois meus irmãos bem mais novos que eu. Mas tem pessoas que estão passando por isso, que estão recolhidas em casa, em isolamento, e sofrendo não por elas mas pelas pessoas que está lá.
Aqui, como no Brasil, somos uma comunidade dividida sobre o que está acontecendo lá com a covid-19. Alguns, desacreditados na imprensa brasileira, mantém-se confiantes. Outros com muito medo pela família e amigos de lá.
Temos conhecimento através de amigos de brasileiros que vivem cá, de alguns casos de covid-19 confirmados e de mortes no Rio de Janeiro e em São Paulo. Tudo varia muito de estado para estado.
Isto acaba causando um conflito interior muito grande, devido àquela impotência de estar aqui, em Portugal, sem poder proteger o seu pai, a sua mãe ou os avós que está lá do outro lado.
Acaba gerando muita preocupação e muitas pessoas estão reflectindo, pensando em voltar para estar perto deles, mais não seja neste final de vida. Alguns brasileiros estudam mesmo a possibilidade de retornar, não por questões financeiras, mas sim para estar perto dos familiares que deixaram por lá, do outro lado do mar.
Temos conhecimento de famílias daqui, que retornaram por conta própria e de outras que estão a aguardar o retorno. Algumas estão a tentar o repatriamento através do consulado. Infelizmente, a UAI não tem um número específico desses casos no distrito de Braga.
Aqueles que dependiam de renda por cá se não se encaixarem numa outra actividade é provável que voltem. Se o real [moeda do Brasil] continuar desvalorizando também poderá ser um motivo de retorno. Uma boa parte da comunidade continuará por cá, uma vez que possuem meios suficientes para se manterem independente do contexto actual. Contudo, a maioria pretende permanecer. Tudo vai depender do caminhar das coisas…
Além do apoio a familiares, os motivos passam por desemprego, lay-off, estabelecimento próprio fechado e a desvalorização do real. Entretanto, os recém-chegados a Portugal foram os mais atingidos. Esses acabaram por ficar mais vulneráveis, pois ainda não tinham se estabelecido por cá.
Tem sido realmente preocupante esta situação. Tivemos empreendedores com uma semana de comércio aberto sendo obrigados a fechar portas, após investimentos em obras e reformas. Assim como trabalhadores da restauração sendo dispensados por causa do encerramento.
Ainda tivemos trabalhadores em França e Espanha, mas com a família residente aqui, que foram aconselhados pelas empresas a
retornar a Portugal durante este período e ao chegarem cá foram
dispensados por telefone, sem os acertos adequados.
É verdade que estamos com um certo receio do que está por vir. Muitos temem a condição económica que Portugal irá presenciar e a desvalorização do real.
Outros temem por não conseguir mais trabalho. Mas temos também na comunidade empreendedores a acreditar que agora terão melhores oportunidades para o seu negócio. Em geral, o momento tem sido vivenciado com muita solidariedade e empatia entre a comunidade
luso-brasileira.
Mesmo diante disto tudo, há uma expectativa muito grande, já se está anunciado reaberturas de estabelecimentos, planeando promoções… A gente acredita que tudo vai dar certo!
A maioria dos brasileiros não tem apoio social do Estado português porque a regularização da sua situação em Portugal ainda está a seguir os seus trâmites; este são os estão mais vulneráveis.
Nós na UAI estamos recolhendo e entregando alimentos a quem nos procura. Os pedidos aumentam a cada semana.
Estamos muito preocupados com os meses que virão. Já estamos, até semana passada, com 61 famílias cadastradas, sendo a grande
maioria com uma média de duas crianças. Dentro desse número, incluem-se três famílias portuguesas e uma angolana.
Muito dos pedidos que nos chegam não são feitos pela própria família necessitada, mas por um vizinho, por um conhecido que chega aqui e diz “olha Alexandra, tenho uma vizinha que está vulnerável e a precisar de ajuda, tenho um vizinho que está nessa condição”…
As pessoas estão muito solidárias, estão preocupadas não só com a sua vida, mas com a vida do outro. É bem interessante, ver isso…
É verdade que muita família tem vergonha de pedir ajuda. E isso é bem claro. Já atendemos pedidos de dentistas, médicos ou seja, pessoas com uma qualificação alta que nunca necessitou de nada no Brasil, que lá sempre viveu tranquilamente, e que de repente se viu aqui numa situação completamente fora de controle. De ficar sem chão quando muitos sonhos de repente acabam.
Não sei o número oficial de brasileiros que vivem espalhados pelo distrito de Braga, de Vila Verde a Vizela, de Vieira do Minho a Esposende. Ninguém sabe. É uma resposta que nenhum órgão oficial consegue dar. Estima-se que cerca de 30 mil brasileiros vivam no distrito.
Muitos destes brasileiros estão no limitar da pobreza, mas momentaneamente. São os que dependiam de dinheiro que vinha do Brasil e que agora não dá para se sustentarem mais, devido à desvalorização do real. Ou porque a renda que trouxe acabou.
A UAI, que fundei em Maio de 2018 e que tem 477 membros e 21 voluntários, não dá conta do recado sozinha. Além do nosso apoio, a comunidade brasileira conta com o apoio de Igrejas, principalmente das Igrejas Evangélicas, que neste ponto são muito unidas. Têm feito inúmeras campanhas de angariação e de distribuição de alimentos. Inclusive, a UAI recebe pedidos de ajuda das Igrejas, tal é tamanha procura.
Precisamos de suprir toda a demanda das famílias que precisam de apoio alimentar. As doações têm diminuído enquanto a procura tem aumentado. Outra dificuldade que nos aflige neste momento é que a maior fonte de receitas da associação são os eventos que realizamos, tais como o Arrauai e o Dia do Brasil, ambos já com datas e locais acertados para este ano mas que foram cancelados. Havia a previsão de outros eventos menores que são imprescindíveis para que a associação possa pagar as contas. Sem estes eventos a UAI terá enormes dificuldades de arcar com seus custos mensais.
Por isso apelo a doações de alimentos não perecíveis. Para doar basta entrar no Facebook: https://www.facebook.com/uai.pt/ ou Instagram: @uai_associacao. Precisamos também de mais sócios para ajudar a manter a associação e usufruir dos benefícios oferecidos pelas empresas parceiras, que todos podem conhecer em https://uai.pt/parceiros.php.
Precisamos igualmente de mais parceiros a juntar ao que já temos, entre outros a Câmara Municipal de Braga, a União da Junta das Freguesias de Maximinos, Sé e Cividade, o Consulado Geral do Brasil no Porto, a Cáritas Arquidiocesana de Braga, a Associação Juvenil Synergia, a Associação Código Simbólico, a Casa do Professor, o Ponto Vermelho, o Norte Solidário, o Ginásio de Educação Da Vinci e O Mundo Somos Nós.
Precisamos de ajuda urgente, é certo, mas, você sabe, acreditamos que tudo vai dar certo!”.*
*Texto a partir das declarações de Alexandra Gomide