Por Carolina Pereira
Relata a história que durante o período Muromachi no Japão, o shogun japonês Yoshimasa devolveu à China uma tigela de chá de porcelana quebrada, para que esta fosse reparada. Porém, o que este recebeu em retorno foi uma peça reconstruída com agrafos de metal.
Perante este cenário, o descontentamento de Yoshimasa foi de tal modo intenso, que pediu aos artesãos japoneses uma reparação esteticamente mais agradável. Assim, os artesãos restauraram as falhas da peça, cobrindo-as de resina misturada com pó de ouro.
Esta técnica tornou-se tão difundida, que alguns colecionadores foram acusados de partir cerâmicas propositadamente, para que pudessem ser reparadas, nascendo assim a arte kintsugi.
Ora, numa altura onde a palavra respeito é cada vez mais destacada esta arte apresenta-se como a metáfora para os desafios que a sociedade atual exige: ao unir as peças quebradas com ouro, não se pretende só realçar as falhas, mas, salientar que os objetos não perdem o seu valor por possuírem imperfeições, reforçando a certeza de que há beleza além das cicatrizes e que são estas que tornam todas as peças reconstruídas por técnica, únicas.
Ainda assim, a sociedade acostumou-se a disfarçar as diferenças: quer seja com um sorriso camuflado ou através de um filtro das redes sociais, ou seja, a perfeição tornou-se uma forma de estar, onde as falhas não são bem-vindas e, por isso, devem ser suprimidas.
Concluindo, todos os estigmas que condenamos atualmente, no nosso quotidiano, e que passam pela intolerância, acabamos por aplicá-los a nós próprios. Infelizmente, o século XXI, ainda tem demonstrado ocorrências de falta de tolerância perante as minorias e comunidades não conformes com as regras sociais primitivas. Contudo, esta técnica que remonta ao século XV, invoca um exemplo exímio acerca não só da igualdade, como também da sustentabilidade.
A forma como o kintsugi interfere no modo como observamos o mundo, distancia-se do significado de mera técnica de reconstrução e transforma-se numa filosofia de vida, que interpreta as imperfeições como fatores de evolução.
E, ao aplicá-la a um quotidiano onde muitas circunstâncias nos desapontam, atinge-se um estado pleno que nos permite assimilar a amplitude do conceito respeito: respeito pelas diferenças, pelas experiências de vida, pelo envelhecimento, pela aceitação e tolerância.
Tal como as rugas, estas “rachaduras” contam a história que todos nós vivemos, do processo de criação e destruição, do recolher os pedaços e criar algo novo.