Opinião de João André Silva
Membro da Iniciativa Liberal de Vila Verde
Todos nós, em algum momento da nossa vida, já utilizamos a “cunha”. Não sejamos hipócritas, isto é verdade para qualquer pessoa que já tenha vivido tempo suficiente para experimentar a complexidade das interações sociais e profissionais. A cultura da “cunha” está há muito tempo enraizada na nossa sociedade, permeando diferentes esferas do quotidiano. Embora seja um facto estabelecido, isso não impede que se discuta e se combata este fenómeno.
Este modo de resolver as coisas está tão bem assimilado que até agradecemos os “favores” de funcionários simplesmente quando fazem o seu trabalho. Este agradecimento exagerado evidencia a distorção de valores em que vivemos, onde a normalidade se torna extraordinária e a eficiência é vista como uma benesse pessoal, e não como um direito de todos.
Os casos mediáticos dos últimos tempos são reveladores desta cultura. São histórias que nos lembram da prevalência da “cunha” e da pequena corrupção, expondo as falhas de um sistema que deveria ser justo e equitativo. A burocracia, que em teoria deveria garantir a igualdade de tratamento de todos os cidadãos, frequentemente se transforma no principal foco de privilégios e desmandos. O seu peso é tão grande que foram criados pequenos poderes dentro da administração pública, permitindo que apenas aqueles que conhecem alguém influente tenham sucesso nos seus interesses.
Os serviços públicos funcionam de forma tão ineficiente que, quando necessitamos de algo, pensamos imediatamente em quem conhecemos que nos pode ajudar a resolver o problema. Este é um sinal claro da falência de um sistema que deveria ser acessível e justo para todos. Gostaria de viver num país onde todas as pessoas têm acesso igual aos serviços, sem precisar recorrer a favores ou influências.
Mudar essa mentalidade leva muito tempo e exige um esforço contínuo. Apenas discutindo e revelando o mal que a “cunha” provoca na sociedade, podemos começar a alterá-la. Muitos não têm sequer noção do impacto negativo deste fenómeno. É mesmo necessário denunciar esta prática, pois somente assim conseguiremos avançar rumo a uma sociedade mais justa.
Os critérios de acesso aos serviços públicos têm que ser objectivos. Nos serviços de saúde, por exemplo, as prioridades devem ser estabelecidas por razões estritamente médicas, garantindo que todos recebam o atendimento necessário de acordo com a sua condição. Nos licenciamentos e outras autorizações, a atribuição deve ser baseada no cumprimento da legalidade e não em influências pessoais ou profissionais.
Os serviços públicos precisam funcionar bem, estarem bem estruturados e dimensionados de forma a dar resposta a todos os que deles necessitam. Ninguém deve ter que conhecer alguém, pedir favores ou pagar mais do que é devido para obter os serviços a que tem direito. Somente assim poderemos proclamar a tão ambicionada igualdade.
A luta contra a “cunha” é, acima de tudo, uma luta por justiça e transparência. É uma batalha que deve ser travada por todos nós, na esperança de construir um país onde a meritocracia prevaleça sobre o favoritismo, e onde os direitos sejam verdadeiramente universais. Esta mudança exige coragem e determinação, mas é a única forma de alcançar uma sociedade mais equitativa e justa para todos.
É imperativo que cada um de nós reflita sobre o seu papel neste processo. Devemos questionar as práticas que aceitamos como normais e considerar as suas implicações a longo prazo. Só assim poderemos começar a construir um futuro onde a igualdade não seja apenas um ideal, mas uma realidade palpável. É um caminho longo e árduo, mas absolutamente necessário para o bem-estar e progresso de todos.