Autor: Samuel Estrada
O reordenamento da rede escolar – iniciado em 2005 quando o Ministério da Educação decidiu encerrar as escolas com menos 10 alunos, alargando-se em 2010 às escolas com menos de 21 alunos – ditou em 2013 o enceramento da escola primária de Atiães e de mais 4196 escolas por todo país.
Desde do seu encerramento as escolas passaram para a tutela dos municípios que reinventaram novas funções para aqueles espaços destinando-os, maioritariamente, a projetos de caracter cultural ou social. Assim sucedeu na escola de Atiães, com o desenvolvimento de uma valência de ensino pré-escolar que, por via do magro investimento que lhe foi dedicado, acabou por encerrar no final do ano de 2015.
Mas o pior estava ainda a chegar… meses depois o Município com o apoio da Junta de Freguesia local (sempre obediente e cativa do Executivo Municipal) num verdadeiro momento de claridade, decidiu, em surdina e às escondidas da população, ceder aquele espaço para jovem de Amares, instalar ali uma destilaria de gin, por um período de 20 anos, pasma-se, de borla e sem qualquer contrapartida para o concelho, celebrando, para o efeito, um contrato de comodato com aquele empresário.
Esta decisão é, desde logo, ilegal uma vez que sendo aquele espaço uma coisa pública é insuscetível de ser onerada pelos modos do direito privado como sucedeu com a celebração de um contrato de comodato (contrato gratuito através do qual uma das partes entrega a outra certa coisa). Acresce que tal subtração do bem ao domínio público obrigava autorização da Assembleia Municipal (nos termos art.º 54 n.º 4b da Lei 169/99), o que, obviamente, não sucedeu.
Esta decisão gera maior espanto e não menos indignação quando constatamos que freguesia de Atiães carece urgentemente de infraestruturas uma vez que toda a atividade social, cultural e administrativa daquela comunidade se encontra acantonada num edifício, pequeno, tosco e mal amanhado que constituiu a sede da Junta de Freguesia. E se nos lembrarmos que aquele espaço resultou de um esforço da população local que sacrificou a sua propriedade privada gratuitamente para construção da escola. Escola, essa, que está intimamente ligada à identidade de várias gerações de pessoas que nela prestaram o seu ingénuo tributo à cultura aprendendo as primeiras letras, aceitando a noção de um mundo redondo e descobrindo o poder das ideias…
Com esta decisão o Executivo Municipal traiu a confiança das pessoas, num gesto arbitrário, ilegal e sobretudo insensível à identidade e cultura da comunidade daquela freguesia. Afinal, a cultura não se pode reduzir a reproduções da espadelada e da desfolhada (repetidas ad nauseam) nem aos lenços dos namorados…
Espero, contudo, que a luz e harmonia que brota do espírito de natalício e da alvorada do novo ano se abata sobre o Executivo Municipal fazendo-o mudar de ideias devolvendo o edifício da escola de primária de Atiães às pessoas de Atiães, pois pior que uma má decisão é teimar numa má decisão…