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A Visão Zero e o Desafio da Segurança Rodoviária: Uma Perspectiva Pessoal

Texto de João André Silva (Iniciativa Liberal Vila Verde)

A Visão Zero, nascida na Suécia em 1997, representa uma mudança de paradigma na forma como entendemos a segurança rodoviária. Assente na premissa de que nenhuma morte prematura nas estradas é aceitável, esta política coloca a vida humana como a principal prioridade, ultrapassando a eficiência da mobilidade ou quaisquer outros objetivos que tradicionalmente se associam aos sistemas de transporte. Incorporada na Lei de Segurança do Trânsito Viário sueca, a Visão Zero reconhece algo fundamental: os erros humanos são inevitáveis, portanto, as ruas e estradas devem ser projectadas tendo em conta estes erros.

Este conceito desafia as abordagens convencionais à segurança rodoviária, que frequentemente se focam no comportamento humano, como a condução perigosa ou o excesso de velocidade, culpabilizando o indivíduo. A Visão Zero, no entanto, sublinha a necessidade de um desenho viário que “perdoe” os erros, de modo a reduzir a probabilidade de choques fatais. Afinal, se sabemos que os condutores cometerão erros, porque não criar infraestruturas rodoviárias que minimizem as consequências desses erros?

A base da Visão Zero não é meramente colocar sinais ou reforçar campanhas educativas, mas sim alterar o ambiente rodoviário para que os condutores “sintam” a necessidade de moderar a sua velocidade ou de agir de forma mais cautelosa. Isto é particularmente relevante porque a condução, em grande parte, é uma atividade instintiva. Não basta um sinal de trânsito para reduzir a velocidade numa área crítica, a via tem de ser desenhada de forma a induzir essa redução de forma natural.

No entanto, em muitos casos, essa filosofia de desenho das estradas não é totalmente aplicada. Apesar de Portugal ter adotado esta ideia com o compromisso estabelecido na Visão Zero 2030 pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária tendo produzidos vários documentos essencialmente técnicos e com metas definidas, há uma perceção de que, na prática, os projetos rodoviários nem sempre estão a seguir este princípio de forma integral.

Como não sou técnico, limito-me a falar da minha percepção e de um exemplo que me é pessoalmente caro, é o caso da recente requalificação da Rua Luís Vaz de Camões, em Vila Verde. Uma obra há muito reclamada pelos residentes, que resolveu problemas antigos como o estado degradado do pavimento da estrada e passeios e as frequentes reparações nas condutas de água. Aparentemente, a requalificação trouxe melhorias essenciais, mas levanta uma questão: estará este projeto alinhado com os princípios da Visão Zero?

A minha opinião é que não.

Vivi nesta rua durante os primeiros 26 anos da minha vida e continuo a utilizá-la diariamente. Antigamente, quando a circulação de veículos era reduzida, esta rua era um espaço de convivência, onde se podia brincar, jogar à bola ou andar de bicicleta. No entanto, com o crescimento da vila, o aumento do número de veículos tornou esta rua uma via muito mais movimentada, tanto para passagem como para estacionamento.

Antes das obras, apesar de haver estacionamento em ambos os lados, muitas vezes de forma descoordenada, isso tinha um efeito positivo na segurança: a percepção de estreitamento da via induzia os condutores a moderarem a velocidade. Contudo, com a requalificação, o estacionamento foi reorganizado para baías específicas, alternando entre um lado e outro da rua. Isso, aliado ao novo pavimento de alcatrão, incentivou a um aumento da velocidade dos veículos. As passadeiras elevadas, que deviam servir como uma barreira à velocidade, foram executadas com uma altura insuficiente para cumprir esse propósito de forma eficaz. Além disso, a intersecção com a Rua Dr. Domingos Oliveira Lopes, que vem do Centro de Saúde, tornou-se mais perigosa devido à falta de visibilidade para os condutores que pretendem entrar na Rua Luís Vaz de Camões.

Do meu ponto de vista, teria sido mais sensato manter o estacionamento em ambos os lados da rua, criando uma sensação de estreitamento que, instintivamente, levaria os condutores a reduzir a velocidade. Além disso, poderiam ser introduzidos alguns “ziguezagues” ao longo da via, forçando uma condução mais lenta e cuidadosa. São pequenas intervenções de desenho urbano que poderiam trazer a segurança necessária, alinhando-se com os princípios da Visão Zero.

Até ao momento, felizmente, não ocorreram acidentes graves nesta rua, mas o potencial para tal é evidente. A prioridade dada à mobilidade automóvel, em detrimento da segurança de todos, é contrária ao espírito da Visão Zero. Este exemplo, apesar de localizado, reflete uma tendência mais ampla de que, embora haja metas e compromissos estabelecidos a nível nacional, a implementação efetiva de medidas que promovam a segurança acima de tudo ainda está aquém do desejado.

O desafio de garantir estradas seguras não se resolve apenas com a modernização de infraestruturas. É necessário um compromisso mais profundo com os princípios da Visão Zero, onde o design das vias reconhece as falhas humanas e as previne. Não obstante a responsabilidade que os cidadãos devem ter no cumprimento das regras, cabe ao Estado, neste caso através do Município, no seu dever de criação e manutenção de infraestruturas, garantir que quando ocorrem erros individuais, estes não resultem em tragédias evitáveis. Afinal, a vida humana não tem preço e nenhuma perda é aceitável, este será o resumo da Visão Zero.

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