O presidente e deputado do Chega é suspeito do crime de desobediência, punível com um ano de prisão ou 120 dias de multa, devido ao jantar-comício de Braga, durante o estado de emergência, na campanha presidencial de Janeiro.
Segundo ofício do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a que a Lusa teve acesso e que chegou à Assembleia da República na segunda-feira, a juíza de instrução criminal pede autorização ao presidente do parlamento para constituir André Ventura como arguido de forma a poder interrogá-lo.
O gabinete do Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, classificou o documento como “confidencial” e remeteu-o à 14.ª Comissão Parlamentar (Transparência e Estatuto dos Deputados), onde está agora a ser apreciado pelos tribunos das diversas forças políticas, que vão agora decidir sobre o levantamento da imunidade parlamentar.
No despacho judicial, segundo o qual o Ministério Público (MP) solicita o levantamento da imunidade parlamentar do presidente do Chega para ser ouvido no processo, constam factos apurados “susceptíveis de integrarem a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência simples, previsto e punível pelo artigo 348.º n.º 1 alínea a)”: pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.
O MP cita uma participação da GNR datada da madrugada de 17 para 18 de Janeiro, após militares daquela força terem fiscalizado o restaurante Solar do Paço, em Tebosa, arredores de Braga, onde decorreu a acção de campanha durante uma das fases mais agudas da pandemia de covid-19.
A GNR verificou no local 28 mesas e 175 lugares sentados, numa sala de “cerca de 350 metros quadrados, dotada de ar condicionado e álcool-gel à entrada e em cada uma das mesas”, lê-se no documento, que acrescenta que o local em causa tem como capacidade máxima 250 lugares sentados.
No auto da GNR refere-se que a organização do evento esteve a cargo do presidente da distrital local do Chega, Filipe Melo, mas o MP optou por constituir Ventura, o então candidato presidencial, como arguido.
O eventual crime de desobediência está ainda enquadrado pelo artigo 7.º da lei 44/86, pela violação do disposto na declaração do estado de sítio ou do estado de emergência ou na presente lei, assim como no ponto 7.º do decreto presidencial 6-B de 13 de Janeiro de 2021 e no ponto 7.º do decreto governamental 3-A de 14 de Janeiro de 2021, que regulamentou o estado de emergência.
Aquele documento determinou o encerramento de “restaurantes e similares, cafetarias, casas de chá e afins, salvo para efeitos de entrega ao domicílio, directamente ou através de intermediário, bem como para disponibilização de refeições ou produtos embalados à porta do estabelecimento ou ao postigo (take-away); bares e afins; bares e restaurantes de hotel, salvo para entrega nos quartos dos hóspedes (room service) ou para disponibilização de refeições ou produtos embalados à porta dos hotéis (take-away); esplanadas”.
AMEAÇAS A JORNALISTA
Recorde-se que aquele jantar-comício, numa noite de domingo, ficaria ainda marcado pela hostilização e intimidação, com ameaças verbais e até contactos físicos, por parte de indivíduos afectos à candidatura e apoiantes de Ventura aos jornalistas e repórteres de imagem presentes.
“Pouco importa, pouco importa/se eles falam bem ou mal/queremos o André Ventura/Presidente de Portugal”, entoaram os convivas, com gestos típicos de claque de futebol, enquanto os “cameramen” instalavam os seus tripés.
Durante uma breve intervenção, a anteceder o líder do partido da extrema-direita parlamentar, o director de campanha e mandatário nacional, além de membro da Direcção Nacional do Chega, Rui Paulo Sousa afirmou: “os nossos adversários estão lá fora, mas alguns estão cá dentro…”, motivando ainda mais gestos ameaçadores dos apoiantes na direcção dos repórteres.
“É com orgulho que eu digo chega/É com respeito que me vês/E bate forte cá no meu peito/E é por ti que eu canto, André/Ale, ale, Ventura, Ale/Ale, ale, Ventura, Ale/Ale, ale, Ventura, Ale”, era outra das ‘letras’ reproduzidas em papel e colocadas em todas as mesas para que os cânticos saíssem mais afinados.
Apesar do dever geral de recolhimento domiciliário e num dia em que Portugal perdeu mais 152 pessoas para a covid-19, Rui Paulo Sousa argumentou que o evento era “um comício político que, pela lei, é permitido”.
A Autoridade Nacional de Protecção Civil tinha dado um parecer negativo ao evento, que foi depois confirmado pelo delegado a Administração Regional de Saúde do Norte, mas o Agrupamento de Centros de Saúde de Braga só já durante o dia terá tido conhecimento do tal documento, assim como a GNR.