Crónica de Luís Sousa
Há dias partiu para o seu eterno descanso a minha última avó. Tive a sorte de ter todos os avós até uma fase relativamente adiantada da minha vida, quando me comparo com outros amigos e conhecidos que, já em tenra idade, tinham sofrido com a partida dos avós. Por isso, guardo comigo memórias bastante vívidas de muitos momentos passados em família com os meus avós, privilégio que, sabemos, na geração dos meus pais poucos tiveram.
Hoje, temos cada vez mais bisavós e a existência de famílias com quatro gerações é uma realidade muito mais frequente do que há uns anos atrás. Basta lembrarmo-nos que nos anos 70 a nossa esperança média de vida era de 68 anos e, atualmente, é de 81 anos. É o aumento deste indicador na população portuguesa que tem permitido aos nossos idosos viver mais e, com isso, termos os nossos avós mais tempo a viver entre nós.
Ser uma criança com avós é diferente de viver sem este privilégio. As vivências com os meus avós ficar-me-ão guardadas nas melhores memórias. Há um carinho especial dos avós para com os netos. Eu sei que fui muito mais mimado e acarinhado pelos meus avós do que os meus pais por eles, enquanto seus filhos. Porque os tempos eram outros e a praxis educacional também era outra completamente distinta. Mesmo os pais mais austeros dos idos anos 50 e 60 acabaram por se tornar nos mais meigos avós dos anos 80 e 90.
É na simplicidade dos pequenos gestos do dia a dia que encontro as melhores recordações dos meus avós: lembro-me deles à janela nas manhãs frias do inverno só para me fazerem companhia enquanto esperava pelo autocarro da escola na paragem junto à sua casa; não esqueço aquelas sobremesas que nos adoçavam a boca nos domingos mais festivos e que, nós netos, tanto gostávamos; não esqueço a disponibilidade e paciência da minha avó para me fazer a comida que mais gostava sempre que lhe pedia, interrompendo sestas sem lhe interessar a hora; ou as castanhas cozidas que tinha sempre preparadas nos finais de tarde após a escola.
Os meus avós tinham sempre na dispensa algo para nos dar que sabiam que gostávamos – a laranjada ou a groselha que nunca faltava ou as bolachas mais especiais; os meus avós não nos davam brinquedos. Não me lembro de me terem dado algum! Mas davam-nos a liberdade para brincar num tempo em que até a enxada, o prego ou o martelo do avô nos ajudavam a passar o tempo. Nessa altura, poucas coisas eram consideradas arriscadas ou perigosas!
Eles esforçavam-se para nos fazerem felizes! Tenho presente a imagem do meu avô repousando a fadiga numa pedra do caminho, enquanto fazia o trajeto de retorno a casa depois de uma ida, connosco, ao café, num esforço considerável só para nos dar essa alegria. Um gesto simples, mas tão carregado de afeto! Também me lembro dos rebuçados que tinham sempre para dividir pelos netos e pelas outras crianças que connosco brincavam numa atitude que, na verdade, não era bem uma divisão, mas uma forma de amor a multiplicar. Que bons exemplos!
Por tudo isto, ser neto foi, para mim, muito mais receber do que propriamente dar. Raquel Patriarca escreveu que os avós são “Rugas e sorrisos, tesouros escondidos em bolsos ou arcas ou sótãos, sonho e jogo, memória e entendimento, marotice e saudade.” Os meus avós foram tudo isto. E que bom que foi ter tudo isto!