O Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA) contabilizou, entre 1 de Janeiro e 30 de Junho deste ano, 19 mulheres assassinadas, 15 das quais no contexto de relações de intimidade, segundo os dados divulgados esta quinta-feira, no Porto.
De acordo com os dados recolhidos pela OMA e pela União das Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), dos 19 homicídios que fizeram vítimas “mulheres e meninas”, 16 corresponderam a femicídios: crime de homicídio em que as mulheres são assassinadas por serem mulheres.
Desse número, 15 ocorreram em situações de intimidade, ou seja entre casal, e um envolveu um filho que matou a mãe.
Este número significa que, face ao mesmo período do ano passado, os casos de femicídio dobraram, uma vez que em 2021 foram contabilizados sete casos.
O OMA, observatório que existe há 18 anos, analisou também os detalhes de 28 tentativas de assassinatos, sendo que 22 tentativas foram femicídio (20 em contexto de relações de intimidade).
“A sociedade portuguesa está consciencializada. Falta acção”, disse a presidente da UMAR, Liliana Rodrigues.
Numa conferência de imprensa realizada na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, Liliana Rodrigues destacou a importância das estratégias a adoptar para prevenir femicídios, lembrando que “há mulheres que já não podem contar a história, mulheres que já não podem envelhecer”.
“E estas situações não impactam só quem morre, mas impactam quem fica. E quando as mulheres sobrevivem, ficam de que forma? E quantas crianças assistiram já à violência e ao crime sobre as mães e ficaram depois, em alguns casos, sem elas, sem o seu cuidador principal?”, apontou a presidente da UMAR ao apresentar dados que visam, disse, “alertar” para “prevenir”.
Com Liliana Rodrigues, participaram na iniciativa o vice-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Manuel Albano, vários investigadores da UMAR, bem como a coordenadora do projeto FEM-UnitED — Unidos para prevenir o femicídio na Europa, Maria José Magalhães.
“Precisamos de gritar: Nem mais uma. 16 femicídios em Portugal no espaço de seis meses é absolutamente inaceitável. Estamos, enquanto sociedade portuguesa e Estado português, desconectados. Precisamos de ligar os pontos. Algumas situações podiam ser prevenidas”, disse Maria José Magalhães.
A também vice-presidente da UMAR exigiu que o Estado “faça investigação para além da investigação retrospectiva” e defendeu que “é preciso analisar todas as situações mesmo aquelas em que o homicida se suicidou”.
Já Manuel Albano falou da autodeterminação da vítima, lembrando que esta tem direito a medidas de protecção, não podendo ser sujeita a medidas de coação.
“Muitas das vítimas mortas às mãos dos seus companheiros tinham informação para poderem estar em estruturas de apoio, mas não nos podemos esquecer que as vítimas não são alvos de medidas de coação, são alvos de medidas de protecção. A vítima só recorre às instituições se o entender. Às vezes comunicamos como se as vítimas fossem elas as criminosas. Não são”, disse.
Manuel Albano recordou que a partir de 1 de Agosto a rede terá 55 vagas para acolhimento de vítimas e disse que 95% do território nacional tem respostas de acolhimento.
CAMPANHA INTERNACIONAL
A conferência desta quinta-feira também serviu para lançar a campanha de sensibilização do FEM-UnitED para prevenção do femicídio, um projeto que envolve oito entidades de cinco países: Portugal, Espanha, Alemanha, Chipre e Malta.
O tema da campanha é ‘O femicídio pode ser prevenido: liga os pontos’ e esta visa “destacar a importância de identificar, reconhecer, validar e valorizar os diversos sinais de alerta da existência de uma relação abusiva que poderão contribuir para colocar a vítima numa situação de perigo”, conforme se lê na informação distribuída aos jornalistas.
“Se os diversos sinais forem identificados e ligados, com uma articulação e verdadeira rede de suporte: as mortes destas mulheres são possíveis de evitar”, sublinhou Cátia Pontedeira, investigadora da UMAR.
Esta campanha, que é constituída por cinco vídeos, tem como propósito sublinhar a necessidade de nomear os assassinatos de mulheres e meninas em razão do género como femicídio, estabelecer a ligação entre a banalização da violência contra a mulher na sociedade e o femicídio e alertar para sinais e factores de risco associados ao femicídio.
Desmistificar pré-concepções sobre o femicídio que escondem ou minimizam aspectos fundamentais da violência contra as mulheres e exigir colectivamente que os governos tomem as medidas necessárias e eficazes para a prevenção do femicídio são outros dos objectivos.
FOTO: UMAR Braga