Brincar não é supérfluo ou sem sentido, mas um meio da criança praticar competências que irão ser necessárias ao longo da vida. Brincar constitui-se um recurso fundamental para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social.
As possíveis brincadeiras, além de se constituírem divertidas, permitem à criança desenvolver habilidades de raciocínio, atenção, concentração, memória, organização, resolução de problemas, competências de linguagem e de comunicação. Enquanto exploram a sua imaginação e criatividade, as crianças constroem a sua autoestima, inteiram-se dos seus gostos e interesses, identificam e expressam os sentimentos e emoções e desconstroem muitos dos seus receios, medos e conflitos internos. A consciência do outro e do seu lugar no mundo exterior é igualmente conquistada durante o ato de brincar. A criança estabelece vínculos afetivos, experiencia diferentes papéis sociais, contacta com as regras sociais, aprende a aceitar e respeitar as diferenças, a partilhar e cooperar, e a trabalhar a sua resistência à contrariedade e frustração.
Quando um bebé é deitado num berço e tem ao seu alcance um brinquedo que pode tocar com a mão ou com o pé, ele é o protagonista. Ele tem o direito de tomar a decisão de mexer a mão ou o pé para tocar no objeto ou de mudar o olhar para outro ponto de interesse. Nesta situação, há já o direito de escolher o que quer fazer. Mas, para o fazer, o brinquedo deve ser colocado ao seu alcance e não ficar numa prateleira distante ou preso à parede.
Hoje, imensas crianças estão sobrecarregadas de atividades diárias, muitas definidas pelos pais, para além do horário escolar. Além dos trabalhos de casa, têm a piscina, o ballet, a música, o futebol, etc…
É sabido que o mundo do trabalho também faz muitas exigências aos pais, sentindo estes a necessidade de manter as crianças ocupadas. Mas será fundamental que os pais consigam um equilíbrio na gestão desse tempo, proporcionando-lhes o direito a tempo livre, sob pena de não lhes darmos a possibilidades de serem criativos, criando a sua própria brincadeira, ou de transformar a magia da sua imaginação em realidade, e entrar em contacto com momentos valiosos e enriquecedores, com implicações positivas no neurodesenvolvimento. É importante empilhar legos para construírem o que entenderem, lutar contra o amigo imaginário, andar de bicicleta, jogar à bola, imitar a mãe, o pai e a professora, ser uma princesa ou um super-herói com superpoderes, cantar, encenar, jogar ao monopólio, e tantos outros jogos e brincadeiras.
Brincar hoje é diferente de brincar no passado. Não é raro assistirmos a crianças presas demasiado tempo a dispositivos tecnológicos. É fundamental estabelecer-lhes limites consistentes: de tempo, tipo de uso e qualidade de conteúdo, implicando participar ativamente no visionamento e no jogo com as crianças. Há que assegurar tempo disponível para atividade física, preferencialmente ao ar livre, tempo de convívio com a família, restringir o acesso a ecrãs às refeições e promover tempo de sono adequado, desligando os dispositivos pelo menos 1h antes de deitar. Não há qualquer vantagem em ter telemóvel antes dos 12 anos, ou sequer ter acesso a redes sociais, particularmente se estiverem sem supervisão.
Aproxima-se o tempo de férias. Garanta tempo às suas crianças, disponibilize-lhes espaço, brinquedos e materiais e tente mais um tempinho para brincar com elas. Serão experiências e memórias que as marcarão positivamente ao longo da vida.