“Poucos, mas bons”. Podia ser este um dos lemas das pessoas em situação de sem-abrigo que esta segunda-feira se começaram, às 10 da manhã, a concentrar à porta da Assembleia da República para protestar contra a falta de soluções para os seus problemas depois de anos de promessas, com a mira apontada à Câmara Municipal de Lisboa, ao primeiro-ministro e até ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, conhecido promotor da causa de quem vive sem tecto.
António Santos tem mais de 50 anos e os últimos cinco têm sido passados na rua. Com uma bandeira de Portugal na mão e outra enrolada nos ombros, tem um andar que denota um coxear típico de quem tem um problema grave, crónico, de saúde numa perna e foi ele que teve, numa noite, às duas da manhã, a ideia de fazer esta manifestação, a primeira a juntar pessoas em situação de sem-abrigo.
Carla, 46 anos, olha à volta e identifica 10 a 15 pessoas que como ela vivem na rua e que reservaram esta segunda-feira para pegar num microfone, cartazes feitos com o papelão onde vários dormem e bandeiras de Portugal – as armas nesta luta em frente ao Parlamento.
Os polícias que observam, ao longe, são tantos (ou mais) do que as pessoas em situação de sem-abrigo que protestam com palavras de ordem em que pedem casas. Carla defende, no entanto, que o número não é importante pois os poucos que aqui estão representam as centenas de pessoas que dormem nas ruas da cidade.
“Neste momento estão aqui muito poucos, mas é normal pois muitos têm medo de dar a cara, receio da família ou de represálias, ou porque acham que é uma luta que não vai dar em nada”, explica esta mulher que apesar de trabalhar, nas limpezas, não consegue juntar dinheiro suficiente para alugar uma casa numa cidade, Lisboa, onde muitas habitações estão vazias.
Os sem-abrigo aqui, à porta da casa da democracia, dizem estar fartos das promessas dos políticos e recordam várias vezes Marcelo Rebelo de Sousa: “Que o Presidente venha fazer as promessas que anda a fazer há dois anos de que vai acabar com a situação dos sem-abrigo… Até quando isto vai continuar?”, questiona Carla, lamentando a demora.
Quem protesta à porta do Parlamento pede casas e crítica, em paralelo, os albergues criados para pessoas em situação de sem-abrigo, garantindo que não são solução e só agravam os problemas.
É isso que refere Miguel, 26 anos, que caiu na rua há três anos: “os albergues não funcionam porque de cinco em cinco minutos há sempre uma chatice, um acontecimento, juntam-se pessoas muito diferentes, com problemas diferentes, o que torna as coisas muito mais difíceis”, sem contar com os “percevejos” e outras condições de higiene que Miguel e Carla garantem que deixam muito a desejar.
Miguel explica que o que quer é um espaço onde seja possível ter as suas coisas, sublinhando que não escolheu estar na situação em que está.
Fotos Nuno Guedes