Coronavírus – O que é importante fazer? Podia escolher outro assunto. Mas preferi assumir o meu dever. De cidadão. De médico. O dever de informar ao invés de dar opinião. O tema da infeção por coronavírus é uma espécie de «tema dos momentos», porque não se resume a um só momento, mas a vários instantes do quotidiano em que ele – o vírus – nos invade a alma e o pensamento. E são vários. Desde logo, quando ao sair de casa, escondemos o sorriso atrás da máscara – a que chamamos, ironicamente, de social – ou quando evitamos os afetos que o coração nos pede, mas a razão impede.
O tema da pandemia domina a atualidade, de todos. Dos céticos, dos negacionistas, dos mais medrosos, dos epidemiologistas – verdadeiros – e dos formados nas redes sociais, dos realistas e dos que acreditam na ciência, a todos um pouco este assunto toca.
Sabemos que a infeção pelo coronavírus resulta, na maior parte das pessoas, numa doença ligeira, a moderada, apresentando sintomas leves que resolvem espontaneamente sem necessidade de qualquer tratamento, a não ser analgésicos ou antipiréticos para alívio da dor ou da febre. E talvez seja por isso que muitos a desvalorizam. Há, porém, uma franja de infetados (cerca de 14%) que tem manifestações mais severas da doença e que, portanto, vão necessitar de internamento hospitalar. Normalmente, têm uma idade avançada, mas nem sempre. Muitos têm diabetes, hipertensão, obesidade, doenças crónicas respiratórias, cardíacas ou renais. A disseminação da doença na população traz, por isso, um aumento proporcional de casos de internamento, desviando o foco dos serviços de saúde para a resposta a estes doentes que, se a pandemia não for controlada, rapidamente saturarão os quartos dos hospitais. E, por isso, haverá mais cirurgias adiadas e consultas por realizar, rastreios por fazer, cancros por diagnosticar; doenças crónicas que se agravam por falta de cuidados; morbilidade que aumenta e inúmeros cuidados que ficam por prestar a quem deles precisa. Foi por tudo isto, e não só, que tivemos mais de sete milhares de óbitos por causas não-Covid entre março e setembro do que o habitual neste período do ano. E até estivemos longe do ponto de saturação dos hospitais! Nos centros de saúde, também, quantos mais casos há, suspeitos ou confirmados, menos tempo resta aos profissionais de saúde para a prestação de assistência aos outros casos não-Covid que, hoje, tantos se queixam (e eu compreendo-os) pela falta de acesso aos cuidados. É caso para dizer que «o tempo não estica» apesar de nós, profissionais, bem tentarmos esticar o tempo de trabalho, por amor à arte e por brio que muitos temos, mas poucos reconhecem.
Sabemos que a utilização de máscara, por exemplo, reduz a transmissão viral nos indivíduos assintomáticos ou pré sintomáticos. Utilizar máscara é pensar no outro, é ser altruísta. Todos percebemos isto, exceto as centenas de pessoas que se manifestaram contra o seu uso obrigatório na Baixa de Lisboa. Já todos percebemos, também, a importância de restringirmos os contactos sociais de proximidade, exceto os irresponsáveis que se juntaram aos magotes na Nazaré à espera das ondas e, talvez, da outra onda, a segunda vaga, que está já aí.
Quando pensamos que a pandemia só atinge os mais velhos ou os mais frágeis, esquecemo-nos que o aumento de casos na sociedade faz ricochete na economia, fragilizando o mercado de trabalho, atirando milhares para o desemprego e colocando famílias inteiras em sérias dificuldades, novos e velhos. Todos somos alvo da pandemia, de uma maneira ou de outra. O rumo dos acontecimentos está, em parte, dependente dos nossos comportamentos. Por isso, é preciso mantermos os cuidados que tanto se falam e que importa colocar em prática. É preciso mais responsabilidade.