“Não há quem possa dizer quem é mais puro e português do que qualquer outro”. No derradeiro discurso do Dia de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa atacou os nacionalismos.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, rejeitou hoje que haja excessiva polarização política em Portugal, considerando que há diferentes pontos de vista, mas sem que a liberdade e a democracia estejam em causa.
“O país não se pode dizer que esteja muito polarizado. Os portugueses polarizados estavam, porventura, quando houve a sucessão de regimes, monarquia e república, quando houve o problema de ditadura e democracia”, declarou o chefe de Estado à comunicação social, em Lagos.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, nesses períodos históricos, sim, houve “polarizações totais”, mas o contexto atual não é extremado nem coloca em causa a democracia.
“Agora, dentro da democracia, haver vários pontos de vista, sem que nenhum deles coloque em causa a liberdade e a democracia, temos de admitir que é muito boa notícia quando olhamos para o mundo e há mais ditaduras no mundo do que democracias”, considerou.
Marcelo Rebelo de Sousa falava à comunicação social enquanto caminhava a pé, na Avenida dos Descobrimentos, em Lagos, no distrito de Faro, no fim da cerimónia militar comemorativa Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
LÍDIA JORGE ALERTA CONTRA O RACISCO E OS LOUCOS NO PODER
Por sua vez, a escritora Lídia Jorge alertou esta terça-feira contra a possibilidade de loucos atingirem o poder e contra “a fúria revisionista que assalta pelos extremos”, num discurso em que condenou o racismo, a escravatura e a cultura da mediocridade.
Lídia Jorge, conselheira de Estado, falava enquanto presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do 10 de Junho, em Lagos, num discurso que antecedeu o do chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa.
Na sua intervenção, que durou cerca de 30 minutos, citou Shakespeare, Camões e Cervantes, três autores, que a escritora considera que “perceberam bem que, em dado momento, é possível que figuras enlouquecidas, emergidas do campo da psicopatologia, assaltem o poder e subvertam todas as regras da boa convivência”.
A escritora aproveitou a ocasião para condenar o racismo, a escravatura e a cultura da mediocridade, alertando para a possibilidade de loucos atingirem o poder e apelando contra “a fúria revisionista que assalta pelos extremos”.
“O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a terra é disputada. E os cidadãos são apenas público que assiste a espetáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores e os seus ídolos são fantasmas”, sublinhou.
A escritora destacou o facto de que “em pleno século XVII cerca de 10% da população portuguesa teria origem africana”, o que significa que “ninguém tem sangue puro e a falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade”.
Para Lídia Jorge, “cada um de nós é uma soma do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco, do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou”.
“O princípio da exemplaridade, essa conduta que fazia com que o rei devesse ser o mais digno entre dignos, está a ser subvertido pela cultura digital. O escolhido passou a ser o menos exemplar, o menos preparado, o menos moderado, o que mais ofende”, disse
A terminar, deixou a questão: “Pergunto pois, qual é o conceito hoje em dia de ser humano, como proteger esse valor que até há pouco funcionava e não funciona mais”.
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