A Entidade Reguladora da Saúde enviou para o Ministério Público o caso de uma grávida que morreu a caminho do Hospital de Guimarães em agosto de 2023, considerando que a unidade violou uma norma da sociedade de obstetrícia.
O caso está descrito no documento de deliberações do 2.º trimestre de 2024 divulgado esta quinta-feira pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), que concluiu que as queixas apresentadas pela doente, que tinha sido sujeita a cirurgia bariátrica, obrigavam à realização de Tomografia Axial Computorizada (TAC), para despiste de complicações de abdómen agudo, o que não aconteceu.
O caso chegou ao conhecimento da ERS pela comunicação social, que divulgou em agosto do ano passado que uma mulher grávida de 35 semanas morreu enquanto era transportada pelos bombeiros para o Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, tendo acabado por morrer, tal como o bebé.
A mulher tinha estado no hospital um dia antes de morrer e, na resposta enviada ao regulador, a unidade de saúde informou que os exames efetuados na altura não tinham revelado qualquer problema, considerado que o desfecho não era previsível.
Um dia depois de ter ido ao hospital, a grávida foi socorrida pelos bombeiros de Caldas das Taipas (oito quilómetros a noroeste de Guimarães) por apresentar queixas de falta de ar. Contudo, acabou por morrer durante o transporte, bem como o bebé.
Na resposta enviada à ERS, o hospital explicou que a mulher era seguida na consulta de Obstetrícia — Alto risco e Nutrição devido a antecedentes de ‘bypass’ gástrico e que tinha sido referenciada para Cardiologia, tendo realizado meses antes exames que tiveram resultado normal.
Confirmou que a grávida já tinha ido ao hospital com queixas de sangue na urina, mas sem qualquer queixa do foro obstétrico, e que os exames efetuados não tinham revelado qualquer alteração.
A mulher regressou ao hospital um dia antes de morrer, com “dor no flanco e região epigástrica associada a náuseas” e fez exames, com resultado normal, tendo sido enviada para casa com indicação para ser reavaliada dias depois.
Acabou por dar novamente entrada ao final da tarde do mesmo dia, transportada pelos bombeiros, já em paragem cardiorrespiratória.
Apesar de no processo interno o hospital não ter detetado qualquer situação de dolo ou negligência, tendo concluído que as avaliações clínicas foram adequadas a cada estado da utente e que “o desfecho não era previsível”, a responsável pelo parecer técnico solicitado pela ERS teve outra opinião.
Segundo concluiu, não foi cumprida a norma da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal (SPOMMF) que indica que todas as grávidas submetidas a cirurgia bariátrica “devem realizar um diagnóstico precoce de potenciais complicações resultantes da mesma”.
Assim, sintomas como náuseas, vómitos ou dor abdominal, habitualmente de natureza benigna na gravidez, “podem traduzir a existência de complicações importantes (…), pelo que uma avaliação cuidada em colaboração com um cirurgião bariátrico poderá ser necessária”, refere.
Referindo-se à norma em causa, o documento divulgado pela ERS indica que “perante a suspeita de complicações deve ser realizada uma tomografia computadorizada, pois estas complicações podem associar-se a 20% de mortalidade materna”.
No relatório solicitado pela ERS é ainda referido que nas análises realizadas pela grávida no hospital “existiam alterações importantes”.
Sobre as falhas detetadas, o relatório refere que “não foi pedido apoio de cirurgia geral e ou bariátrica” e que a utente “não realizou imagem de abdómen, como ecografia e ou TAC com intuito de investigar complicações que fossem possíveis de correlacionar com o aumento dos parâmetros inflamatórios que apresentava nas análises”.
Perante as conclusões a que chegou, a ERS decidiu dar conhecimento deste processo ao Ministério Público, Ordem dos Médicos e Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS).