“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer”
Alberto Caeiro
Em 2013, ao abrigo da chamada “lei Relvas”, extinguiram-se mais de 1000 freguesias que passaram a integrar as chamadas “uniões de freguesias” num processo que, mais uma vez, se desenrolou à pressa, longe da participação da população e sempre animado com promessas de mais dinheiro e competências para as novas “uniões”.
Assim se impôs por todo o país uma espécie de expropriação de freguesias que, hipnotizadas pela promessa de “leite e mel”, alienaram o que mais importa e que, por ser imaterial, não tem preço: a identidade, o sentido de pertença e de representação.
O Estado central e os municípios manifestaram, então, o seu eterno desprezo e incompreensão pelas freguesias que, há muito condenadas a situações de indignidade orçamental, se renderam, uma vez mais, trocando a identidade por um prato de lentilhas.
Surgiram, assim, figuras autárquicas que (salvo raras e louváveis exceções) são artificiais e não garantem representatividade às populações e aos territórios.
Claro que a nossa sociedade civil, mansa, indolente e aborrecida, aceitou serenamente, como é seu costume, o novo desenho autárquico.
Os socialistas, outrora críticos da “lei Relvas”, ensaiaram uma lei que insinuava a correção dos erros e prometia a ressurreição das freguesias.
No entanto, o texto legislativo, tosco e mal-amanhado, envolvido em silêncios e com prazos de validade, apresentava critérios incompreensíveis e procedimentos complexos e desajustados que serviram apenas para atirar areia para os olhos e garantir que tudo ficaria na mesma.
Não se estranha, por isso, que das 1167 freguesias fundidas pela “lei Relvas”, só cerca de 190 tenham pedido a desagregação dentro do prazo legalmente estabelecido.
Espera-se, por isso, que o assunto volte a merecer a atenção do legislador, desta vez através de uma solução legislativa democrática que respeite as populações, a sua identidade e memória coletiva.
Haverá sempre quem defenda que as freguesias não tinham dinheiro (como é o caso de Atiães) e que a união é a única forma de taparmos mais uns buracos.
Pois a esses eu pergunto:
Não seria melhor apostar numa distribuição mais racional e equitativa do dinheiro público?
Fazer investimentos definidos com critérios claros e transparentes?
Definir políticas que fomentem a inclusão territorial?
Investir numa estrutura autárquica que garanta uma democracia representativa e participativa onde eleitos e eleitores trabalhem juntos pelas suas comunidades e territórios?
Incentivar a criação de associações de freguesias que promovam a partilha e a eficiência sem perderem a autonomia e a independência, conforme sugere a Constituição?
O investimento nas freguesias será sempre um investimento na democracia participativa, na “escola primária da democracia” como lhe chamava Tocqueville, e nunca um gasto, como afirmam os mais superficiais. Relembro, por fim, a este respeito, uma reflexão antiga (mas atual) de Rodrigues Sampaio, autor do Código Administrativo de 1878:
“O Município não é uma associação natural. Depois da família, que o Estado não criou, mas achou estabelecida, temos uma associação quase tão natural como ela, e que a lei não podia suprimir sem violentar a natureza das coisas, é a freguesia ou a paróquia, associação de famílias onde se adora o mesmo Deus, se rende o mesmo culto, se lhe erige o mesmo templo, se levanta o mesmo altar e onde se sepultam os cadáveres dos seus finados, julgar-se-ia uma profanação da administração, extingui-la.”