A proximidade das eleições legislativas e os últimos resultados das eleições europeias trazem-me à memória as primeiras eleições livres de 1975 na alvorada da democracia. Naquela “manhã clara”, o povo português, maioritariamente analfabeto e sem cultura democrática, invadiu as secções de voto com o entusiasmo e a esperança que os períodos revolucionários sempre conferem, registando-se, então, uma taxa de participação de cerca de 90% da população.
Porém, várias décadas depois da revolução – e apesar do assinalável progresso e do desenvolvimento socioeconómico ocorrido – o país (agora de doutores) registou no último sufrágio eleitoral uma taxa de abstenção próxima de 70%, manifestando um sinal inequívoco da descrença dos portugueses relativamente à classe política.
Todavia, os partidos, incapazes de atos de contrição, não só não encontram soluções para esta descrença como agudizam o problema e as campanhas eleitorais são disso grande exemplo. Há muito que nas campanhas os partidos trocaram o idealismo pelos interesses eleitorais e o debate de ideias pelo apedrejamento do carácter dos adversários, as sessões de esclarecimentos e os comícios foram ultrapassados pelas “fake news”, os programas são escondidos e cheios de lugares comuns e os militantes são por estas ocasiões transformados em figurantes ou grupos corais transportados em autocarros (ou mesmo em veículos das Juntas de Freguesia) para simularem multidões entusiasmadas. Para agravar este quadro demencial, os partidos encenam a todo o momento gestos de proximidade com a sociedade cível, mas sempre programados e destinados aos seus “convertidos” cheirando, portanto, a contrafação.
A este problema de forma acrescem outros de substância. Desde logo o sistema político português limita a candidatura de cidadãos ao parlamento, lugar que está reservado às nomenclaturas partidárias, afastando, assim, os cidadãos independentes da participação política ativa. Por outro lado, os partidos obcecados pelo eleitoralismo ofendem os princípios da proximidade e da representação do território, exportando candidatos de Lisboa para todos os círculos distritais mesmo sem qualquer ligação ou conhecimentos das regiões que se propõem representar, o que afasta ainda mais os eleitos dos eleitores.
A inclusão nas listas de deputados acusados de crimes alegadamente praticados no exercício de funções públicas representa, de igual modo, uma degradação incompreensível da qualidade das soluções partidárias bem como da complexidade e da força dos “aparelhos” que se sobrepõem muitas vezes aos líderes, obrigando-os a esquecer os banhos de ética e a engolir sapos (e alguns bastante gordos).
Neste contexto não será difícil prever mais uma nova vitória da abstenção…
A democracia reclama, assim, cuidados especiais e reformas que promovam uma maior e melhor participação dos cidadãos de modo a garantir o exercício de uma cidadania ativa que vá para além do voto. Por outro lado, os partidos, sendo estruturantes do edifício democrático, têm de ser capazes de fazer a autocrítica e de se reinventarem de modo a garantirem a prossecução dos seus ideais, evitando as tentações do populismo e da miopia eleitoral.