“Era uma casa
Muito engraçada,
Não tinha tecto
Não tinha nada.”
Vinicius de Moraes
O direito à habitação assume uma importância fundamental para a realização pessoal de cada indivíduo. Sem habitação está comprometida a dignidade humana. Sem habitação diminuímos a liberdade individual. Sem habitação perigamos a paz social. Sem habitação agredimos o direito à proteção da família.
Por isso o legislador, consciente da importância da habitação, conferiu-lhe dignidade e proteção constitucional.
Todavia, o direito à habitação foi condenado ao abandono pelo legislador ordinário ficando (tal como muitas habitações por este país) devoluto. Vejamos: o nosso parque de habitação pública que representa apenas 2% do parque habitacional. Mas, se espiarmos os nossos vizinhos, vemos que a média europeia é de 12%, sendo que na Suécia é de 19%, na Áustria de 24% e nos Países Baixos de 30%. Cidades como Viena e Amesterdão têm, respetivamente, 60% e 40% da sua população em habitação pública.
O direito à habitação tornou-se, assim, no parente pobre do estado social. Nesta matéria, o Estado intervém quase sempre tarde e mal trazendo, na maioria dos casos, confusão, instabilidade e conflitos sociais e quase nunca verdadeiras soluções para quem delas precisa.
Neste capítulo, também as autarquias têm ficado muito aquém do que lhes é exigido, demonstrando ora incapacidade, ora desinteresse para enfrentar os desafios da habitação e do urbanismo.
Em demasiados municípios, continuamos com planos diretores municipais de 1ª e 2ª geração e, portanto, obsoletos, limitados e muitas vezes até reféns da iniciativa privada que torna o urbanismo num viveiro de especuladores. Mas exige-se já um salto para planos de 3ª geração com os municípios a largar o papel de meros emissores de licenças e com a coragem de assumir o papel de protagonistas na busca de soluções urbanísticas de interesse coletivo.
Muitas autarquias continuam a desorganizar o solo urbano de modo arbitrário apoiando soluções que provocam dispersão e tensões territoriais, misturando de modo selvagem habitações, florestas e indústrias, o que torna difícil perceber os critérios que permitem ou não a edificação quando há muito se exige uma definição clara de medidas que harmonizem a vida das pessoas nos seus territórios.
Em muitos concelhos, os planos de pormenor e as figuras de interesse municipal continuam a servir como ferramenta para ultrapassar ilegalidades. Mas estes instrumentos devem antes ser usados para mecanismos que aumentem o parque habitacional.
As Unidades de Execução, embora previstas na lei – como ferramentas que asseguram um desenvolvimento territorial harmonioso com a justa repartição de benefícios e encargos pelos proprietários envolvidos – em muitos municípios ou não se criam, ou não saem da gaveta.
Continuamos a ter muitos municípios com protocolos administrativos de licenciamento demasiado burocráticos, o que faz arrastar (como um castigo) os processos durante meses e, às vezes, anos, quando com facilidade se poderiam simplificar procedimentos e criar processos de tratamento urgente para o licenciamento da primeira habitação, protegendo assim as famílias jovens.
Continuamos a ter municípios sem políticas de habitação, com parques de habitação pública meramente decorativos, sem cooperativas de habitação e sem aposta em programas de habitação de custos controlados que permitam não só aumentar o parque habitacional como também combater a especulação imobiliária.
Portanto, o direito à habitação em Portugal não se satisfaz com mais construções legislativas, mas sim com a construção de mais e melhores habitações.
No edifício legal português encontramos já soluções legislativas capazes de sanar este problema. Porém, escasseia vontade política dos governos, mas também dos municípios que vêm revelando sintomas de conformismo, sonolência e falta de criatividade num aborrecimento que contamina os planos, os técnicos e os privados.
Assim, ao invés de procurarem culpados e de diabolizarem os privados, seria talvez mais importante que o Estado e os municípios olhassem para a habitação com mais coragem e compromisso para fazerem a parte que lhes toca…