Marta Luís, 18 anos, vai ser uma das jovens a intervir na vigília papal, durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em Lisboa, para partilhar a experiência vivida durante a guerra na província de Cabo Delgado, em Moçambique.
“Sou da paróquia Sagrado Coração de Jesus, Moçambique, zona Norte de Cabo Delgado. Estou cá para participar na Jornada Mundial da Juventude. Recebi o convite do padre Edgar. Ele é que me ligou para poder escrever o meu testemunho para eu poder ler na vigília, à noite, em frente do Papa”, apresenta-se a jovem à agência Lusa, em Braga.
A estudante de turismo e outros quatro jovens moçambicanos da cidade de Pemba, capital da província de Cabo Delgado, acompanhados por um padre moçambicano e por outro sacerdote e missionária portugueses, chegaram à Arquidiocese de Braga, na terça-feira, para participarem nos Dias nas Dioceses, rumando na segunda feira a Lisboa para a JMJ.
A província de Cabo Delgado enfrenta há quase seis anos a insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico. O conflito já fez um milhão de deslocados, de acordo com Alto Comissariado das Nações Unidas para pós Refugiados (ACNUR), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos.
TESTEMUNHO ESTÁ ESCRITO
Em declarações à Lusa, Marta Luís conta que já escreveu o testemunho que vai ler perante o Papa Francisco e o Mundo, na noite de 05 de agosto, no Campo da Graça (Parque Tejo), em Lisboa.
“Vou falar um pouco da minha história, da guerra, de como ficámos, das dificuldades que enfrentámos durante esse tempo, do que vivenciei”, revela a estudante de turismo, salientando que a sua realidade é a realidade dos jovens e de quem vive em Cabo Delgado.
Num tom calmo, a jovem conta que “a primeira vez que os terroristas entraram” no seu distrito foi na manhã de 07 de abril de 2021, obrigando toda a família – ela, a mãe, de 63 anos, três irmãs mais velhas e quatro sobrinhos – a fugir para o mato.
“A primeira vez não ficaram muitos dias. Só ficaram quatro dias. As dificuldades que enfrentámos é que não tínhamos comida nem água. Quando passaram quatro dias, ouvimos que os terroristas saíram, voltámos para casa, mas, por medo, ficávamos só de dia em casa e de noite voltávamos para o mato. Passámos uma semana nesse processo”, relata Marta Luís.
Depois de regressarem à habitação, a vida normal durou apenas meio ano, até 30 de outubro, dia em que os terroristas “entraram de novo” no distrito.
“Essa guerra foi muito grande. Entraram, fugimos para o mato e lá ficámos uma semana. Não tínhamos nada. Nem comida nem água”, explica a jovem, com tranquilidade.
“PERDEMOS TUDO”
Após esse segundo ataque, Marta e a família tiveram de fugir e, até hoje, não regressaram mais à casa onde sempre moraram.
“Perdemos tudo. A casa da minha mãe, as casas da minha família, queimaram tudo. Até a nossa paróquia também queimaram. Não há nada. Queimaram tudo. Essa guerra já dura há mais de cinco anos e ainda não acabou”, lamenta Marta Luís, esperando que o seu testemunho sirva para chamar a atenção para a guerra em Cabo Delgado.