OPINIÃO

OPINIÃO -

Não há democracia sem escrutínio

Texto de Luís Sousa

Dada a dimensão pública dos políticos e dos partidos, considero compreensível o papel que a comunicação social tem tido, através do jornalismo de investigação, como elemento escrutinador na vida política e na democracia.

Este escrutínio é, até certo ponto, compreensível, sendo um dos mecanismos autocorretivos que fazem as democracias prosperar. Porém, não raras vezes, a ânsia pelos cliques do jornalismo online acaba por revelar uma vontade exagerada por noticiar o que é polémico, vivendo da proliferação de casos que, apesar de darem bons títulos, nem sempre estão bem fundamentados. Conseguem gerar entropia, às vezes provocar demissões, gerar sofrimento nos visados e inflamar uma série de comentários nervosos dos haters que abundam nas redes sociais. Chegamos ao ponto de um político já nem poder aceitar um mero convite para assistir a um desafio de futebol, porque levanta suspeitas de corromper ou estar a ser corrompido! Se é certo que, eventualmente, pode afastar alguns da atividade política, por temerem o escrutínio que muitas vezes lhes devassa a vida privada, também é certo que cria mecanismos que impedem a manutenção em funções de pessoas que não merecem a confiança para o desempenho de cargos de natureza pública, nos quais se exigem pessoas idóneas e retas.

O escrutínio de que falo, se feito com conta, peso e medida, é saudável em democracia. Aplica-se aos titulares de cargos públicos, mas também se estende aos partidos, enquanto entidades públicas. Os casos dos despedimentos no Bloco de Esquerda trouxeram à tona uma vil incoerência no partido. Bem sabemos que é nos partidos populistas onde mais grassa a hipocrisia. “Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não o que ele faz”!

Mas não era expectável que um caso destes acontecesse num partido tão feminista e que tanto se bate contra os despedimentos nas empresas, ainda para mais, casos que envolvem mulheres em situações tão vulneráveis. Como se não bastasse, toda a gestão do caso foi má, desde a negação inicial ao reconhecimento do erro, dias depois, e à recusa do escrutínio interno que até levou à demissão de elementos da Comissão Política do partido. Depois começaram as críticas à comunicação social que o Bloco considera ser demasiado importante para “ficar nas mãos de grupos mafiosos que querem controlar a democracia”.

Bem sei que isto foi dito num contexto muito particular, porém, não posso dissociar esta crítica à notícia dos despedimentos tornados públicos pela imprensa. E em matéria de criticar a comunicação social quando a mesma não lhes convém, os partidos populistas, de esquerda ou de direita, até nem são muito diferentes. O presidente do Chega-Açores, a propósito do caso das malas, sugeriu a criação de “legislação que penalize forte e violentamente todo o jornalista que dê uma má notícia”.

É sempre assim, por esse mundo fora, que a extrema-esquerda e a extrema-direita normalmente fazem: controlar a comunicação social para, depois, controlar a democracia. Felizmente, por cá, o escrutínio existe. Que continue! Respeitando a vida privada de cada um; sustentando-se nas melhores fontes de informação e não na mera ânsia dar a notícia em primeiro ou só para fazer uma boa capa; e sempre com conta, peso e medida!

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