OPINIÃO

OPINIÃO -

O meu “Dr. João Lobo”

Por Miguel Brito

Passámos meses sem nos ver, mas sempre que me cruzava com ele, além da vénia formal, havia um sentido cumprimento. Tratava-o por Dr. João Lobo e ele tratava-me sempre por Dr. Miguel Brito. Nunca quebrámos esta vénia. Sou um dos advogados que tiveram o privilégio de estar perto dele. As minhas impressões, justamente por serem as minhas, permite-me que sugira um título tão intimista.

O Dr. João Lobo nas suas várias dimensões de Professor, Político, Advogado, Escritor acabou por se tornar um legado público. Cada um aproveitará esse legado como aprouver, este é o meu testemunho.

A expressão desse reconhecimento generalizado foi evidente nas suas cerimónias fúnebres, que recebeu tantas pessoas que ali se mantiveram em silêncio e o acompanharam à sua última morada “Santa Maria de Mós”.

Muitos advogados, políticos e ilustres do distrito de Braga, muitos amigos, de todos os quadrantes e sensibilidades prestaram-lhe homenagem.

Há uma altura da cerimónia de maior silêncio em que reparei no público que ali estava por causa do Dr. João Lobo e fez sentido uma das mensagens que ali foi prestada por alguém que dizia: “deixem ouvir o silêncio”. Senti e ouvi esse silêncio.

O Dr. João foi o maior tribuno e maior advogado que jamais conheci. Fazia alegações como nunca vi fazer. Era reconhecida a sua cultura clássica e humanística, a sua forte preparação jurídica e um dom, para ver a vida tão sublime, tão literária e tão nas alturas. Era o melhor de nós e por isso concita tantas homenagens e tanto espanto, diante da sua “egrégia vida”.

 

Em tantas acções judiciais que acompanhei, destaco três que retive para sempre e que são antológicas.

A defesa do Padre Dr. António Marques, Director do Diogo de Sousa, julgado no Tribunal de Braga, em que resultou a sua absolvição, as alegações do Dr. João foram notáveis: “Se não puderes dizer algo mais forte que o silêncio, fica calado”. Fazia isso com tanto estilo, grandeza e cultura que as suas alegações se tornaram memoráveis e inesquecíveis para quem o escutava.

No processo judicial Associação Ambiental da Serra do Carvalho, onde se instalou a “Braval”, numa matéria que envolvia direito ambiental, direito europeu e processo, desfilaram grandes sociedades de advogados de Lisboa, repleta de especialistas, que sucumbiram à caneta do causídico João Lobo. Escrevia à mão, sentado na sua secretária, horas e horas em silêncio, buscando fontes, doutrina, legislação e dando sempre em cada peça, uma lição magistral.

Nos tribunais ninguém o bateu e perdia nas “Secretarias” onde o seu tamanho não permitia entrar.

O currículo do Dr. João Lobo podia ter apenas inscrito “Advogado” e todos o reconhecíamos com vénia e gratidão.

Foi também político e tribuno.

Na Assembleia Municipal de Braga, revelou as suas qualidades de independência e coragem. Recordo o combate de grande elevação jurídica sobre a venda do sub-solo de Braga a uma empresa privada. Se o tivessem seguido talvez o desfecho seria outro e foi também na “Secretaria” que sucumbiu onde o seu tamanho e grandeza não permitia entrar.

Foi o maior quadro e mais bem preparado militante do PSD de Braga. Era um Príncipe da Política e um Homem Livre.

Nunca chegou a ser deputado europeu, tema que conhecia melhor que todos e que foi o seu foco académico mas que o PSD desaproveitou.

Foi deputado de “missão” e não continuou por não jogar na secretaria.

A sua escolha para estes lugares era incompatível com a sua liberdade e a sua postura.

Serviu como Presidente da Assembleia Municipal de Vila Verde, onde tinha as suas raízes mas podia ter ido mais longe, muito mais longe.

Talvez para ele a grande missão era ser advogado e ali regressou, com banca aberta, num exercício de profissional liberal estrito, independente e livre.

Tinha uma estética de vida conservadora e trajava com sobriedade.

Um dia deu-me uma lição de vida, entre tantas, sobre mentalidades e costumes, contando-me um conto de Jack London sobre um médico e uma secretária que nutriam uma paixão um pelo outro, mas que acabaram os dois por morrer sem saber dessa “paixão”.

Era um homem de raízes e de cultura clássica ímpar. A última vez que o vi, talvez na véspera antes de partir, vi-o sentado a tomar um café. Trazia um chapéu de xadrez muito bonito e que lhe ficava muito bem.

Nele havia uma estética do exemplo e da elegância. Não era por acaso que era um “homem alto”.

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