Opinião de Dulce Campos
Muitos se recordam da Nadia Comaneci, a pequena ginasta que encantou o mundo nuns Jogos Olímpicos e que serviu de modelo a muitas outras jovens. Mais tarde veio-se a saber que aquela criança era sujeita a uma educação especial, a condições especiais de treino, estava impedida de crescer e vivia num regime espartano, sem direito a brincar e a conviver com crianças “normais”. No mundo da ginástica, multiplicaram-se durante anos as Comaneci. Outros desportos, como a natação e o ténis seguiram o exemplo. E no futebol não se passa o mesmo? O que dizer da infância do expoente máximo mundial Cristiano Ronaldo ou da mais recente promessa futebolística portuguesa. Falamos do sucesso de João Félix com o mesmo à-vontade com que criticamos a exploração de crianças na Ásia ou na América Latina? Os exemplos dados por estes futebolistas suscitam em nós uma infinita admiração, porque apenas conhecemos o lado positivo do problema. Mas salvaguardando os lucros que uns e outros auferem, haverá grandes diferenças?
Obrigadas a uma alimentação diferenciada, a penosas deslocações em torneios, a largas horas de treino diárias próprias de adultos, prejudicadas na sua vida escolar e social por não terem um ritmo de aprendizagem gradual e viverem em modo competitivo. Estas crianças representam verdadeiras “galinhas de ovos de ouro” para os seus progenitores, mas não tiveram direito a uma infância normal pois vivem afastadas da escola e da possibilidade de conviver e brincar. Talvez por ganharem quantias fabulosas e se terem transformado em figuras mediáticas, vendedoras de primeiras capas de imprensa, notícia de abertura de telejornais, estas crianças não têm sido consideradas vítimas do trabalho infantil, de exploração e violação dos seus direitos. Não vale escamotear a realidade e fingir que trabalho infantil é apenas o do campo ou das fábricas, e que no mundo do desporto é apenas entretenimento.
Não há dúvida que a sociedade de consumo, a economia de mercado, o liberalismo económico ou seja lá o que for, continuarão a produzir muitas pequenas estrelas de sucesso mas será que produz muitos casos de exploração do trabalho infantil?