A juíza Susana Seca decide hoje, em Lisboa, quando começa o julgamento de José Sócrates e os restantes arguidos da Operação Marquês.
O processo, a decorrer há mais de uma década, começou com a detenção José Sócrates, a 21 de novembro de 2014. Nesse dia, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou que mais três pessoas tinham sido detidas num inquérito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), investigando «suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção».
Dois dias depois foi decretada prisão preventiva para ex-primeiro ministro, o motorista João Perna e Carlos Santos Silva por suspeitas de crimes económicos.
Ainda, Gonçalo Trindade Ferreira ficava proibido de contactar com os restantes arguidos, bem como de se ausentar para o estrangeiro, estando obrigado a entregar o passaporte, bem como de se apresentar semanalmente no DCIAP.
Sócrates esteve detido em Évora
José Sócrates esteve nove meses detido no estabelecimento prisional de Évora. Ali, recebeu várias visitas, incluindo do antigo Presidente da República Mário Soares e do ex-líder socialista e ex-primeiro-ministro António Costa.
A 4 de setembro de 2015, passou para prisão domiciliária e, a 16 de outubro, foi libertado.
Os prazos do Ministério Público para concluir o inquérito foram sempre adiados. O inquérito do DCIAP, então liderado por Amadeu Guerra, atual procurador-geral da República,
contou com diversas datas de conclusão anunciadas e diversos anúncios de prolongamento, levando José Sócrates a contestar a sua legalidade.
A litigância do arguido começou nesta fase. Contestou a atuação do Ministério Público, processou o Estado por violação de prazos legais e questionou a imparcialidade do juiz de instrução Carlos Alexandre, por ter dado uma entrevista à SIC, que José Sócrates considerou ser reveladora de parcialidade.
Salgado está entre os novos arguidos
Dois anos depois da detenção, em janeiro de 2017, mais arguidos eram constituídos no caso. Um deles foi Ricardo Salgado, antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES).
Depois, Rui Horta e Costa, por suspeitas relacionadas com o empreendimento imobiliário de luxo Vale do Lobo, no Algarve, envolvendo também Armando Vara.
Também se juntaram Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, administradores da Portugal Telecom.
Acusação
José Sócrates foi acusado, pelo Ministério Público, de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 crimes de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.
No total, os 28 arguidos estão acusados de 189 crimes.
Assim, o ex-primeiro-ministro ficou acusado de usar o seu cargo para beneficiar o Grupo Lena. Carlos Santos Silva, por sua vez, era acusado de intermediar os contactos, servindo como ‘testa de ferro’ para pagamentos que tinham como destinatário o ex-chefe de governo.
A acusação exigia o pagamento de uma indemnização ao Estado no valor de 58 milhões de euros.
Deveriam pagar os principais arguidos, entre os quais Sócrates, Carlos Santos Silva, Armando Vara, Ricardo Salgado, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.
Fase de instrução só em 2019
A fase instrução começou só em 2019, pelo juiz Ivo Rosa. Em 9 de abril de 2021, terminou, com a leitura da decisão instrutória, transmitida em direto nas televisões de imagens da sala de audiências, sem som.
Ivo Rosa ilibou José Sócrates dos crimes de corrupção e, no momento, o procurador Rosário Teixeira levou as mãos à cabeça. Assim, apenas 17 dos 180 crimes apontados pelo Ministério seguiram a julgamento.
José Sócrates e Santos Silva foram pronunciados por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documento, Ricardo Salgado foi pronunciado por abuso de confiança relacionado com transferência de mais de 10 milhões de euros. Armando Vara foi pronunciado por branqueamento de capitais. Ivo Rosa ilibou Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.
O juiz eliminou os crimes de corrupção de todos os arguidos, a acusação mais grave, dizendo que o trabalho de Rosário Teixeira era «delirante», uma «fantasia».
Os arguidos resumiram-se, então, ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, ao empresário Carlos Santos Silva, ao ex-ministro Armando Vara, ao antigo banqueiro Ricardo Salgado e ao antigo motorista de Sócrates, João Perna.
O ex-ministro foi acusado de três crimes de falsificação de documento e três de branqueamento de capitais, estando em causa verbas de 1,72 milhões de euros entregues por Carlos Santos Silva.
No total, Sócrates foi acusado de 31 crimes, mas só aqueles seis se mantiveram, incluindo corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada.
Já Armando Vara foi pronunciado, julgado e condenado por branqueamento de capitais, sendo ilibado de acusações de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais e duas de fraude fiscal qualificada.
Ricardo Salgado foi pronunciado por três crimes de abuso de confiança com a transferências de mais de 10 milhões de euros, sendo ilibado dos dois crimes de corrupção ativa e de um de corrupção ativa de titular de cargo político.
João Perna ficou pronunciado por detenção de arma proibida.
A decisão instrutória ilibou, entre outros, o ex-presidente da PT Henrique Granadeiro de oito crimes – corrupção passiva (um), branqueamento de capitais (dois), peculato (um), abuso de confiança (um) e fraude fiscal qualificada (três) – e Zeinal Bava, ex-presidente executivo da PT, que foi ilibado de cinco crimes: corrupção passiva (um), branqueamento de capitais (um), falsificação de documento (um) e fraude fiscal qualificada (dois).
Ministério Público contesta Ivo Rosa
O Ministério Público avançou com um recurso para o Tribunal da Relação a contestar a decisão de Ivo Rosa, criando inusitado jurídico.
Alguns arguidos, incluindo José Sócrates, acabaram por alegar que foram pronunciados por crimes que não constavam da acusação.
Assim, com a decisão, Ivo Rosa criou uma acusação diferente.
Em janeiro do ano passado, o Tribunal de Relação de Lisboa deu razão ao recurso do Ministério Público e recuperou a acusação que Ivo Rosa não tinha validado.
Assim, foram enviados a julgamento 22 arguidos por 118 crimes, dos 28 arguidos e 189 crimes iniciais. José Sócrates é, assim, acusado de 22 crimes, sendo três de corrupção, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal.
Armando Vara, Ricardo Salgado, e também Zeinal Bava e Henrique Granadeiro voltaram a ser imputados de corrupção.
O coletivo de desembargadores apontou a Sócrates a propriedade de 34 milhões de euros em contas de Carlos Santos Silva, além de «candura e ingenuidade» a Ivo Rosa na sua decisão.
José Sócrates anunciou novo recurso ao Supremo Tribunal de Justiça. Já em março, noutro recurso, o das defesas dos arguidos contra a pronúncia de Ivo Rosa, acusam de configurar uma alteração substancial dos factos. Aí, a Relação de Lisboa deu razão a Sócrates e anulou a decisão do então juiz de instrução.
Tribunal de Relação decide levar processo a julgamento
No final do ano passado, a Relação de Lisboa decidiu enviar o processo a julgamento com a decisão final do desembargador Francisco Henriques.
O ex-primeiro-ministro foi acusado pelos tribunais superiores de atrasar a tramitação do processo, mais do que uma vez, com «manobras dilatórias» para evitar o seu próprio julgamento.
Alguns recursos pendentes impediram, ao longo de 2024, o cumprimento desta decisão.
Ainda, José Paulo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates e também arguido no processo, contestou a legalidade do coletivo de desembargadoras dizendo que, ao serem colocados noutros tribunais da Relação no movimento anual de juízes, estavam impedidas de integrar o coletivo e tomar a decisão.
O recurso foi rejeitado em finais de 2024. Assim, o processo foi remetido a julgamento para o Tribunal Central Criminal de Lisboa, onde foi distribuído à juíza Susana Seca, que preside o coletivo.
Com Notícias ao Minuto
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