Vai hoje a votos a proposta de desagregação de 302 freguesias. É o resultado da contestação de populações e autarcas à reforma administrativa de 2013, em que foram agregadas e extinguidas freguesias em Portugal continental. Em Vila Verde, a intenção de desagregação da freguesia de Pico de Regalados, Gondiães e Mós fica adiada, por não ter cumprido os prazos.
Depois de mais de 12 anos de protesto, é proposto que 135 uniões ou freguesias sejam desagregadas. Trata-se de um projeto de lei conjunto de PSD, PS, BE, PCP, Livre e PAN, a partir dos 124 processos validados por um grupo de trabalho no parlamento, a que se juntaram ainda outros 11 que entretanto sanaram os motivos que terão levado à sua rejeição inicial.
Ficam de fora mais de 30 freguesias por não terem validado os pedidos de desagregação dentro da data limite definida. E, ainda, outras duas dezenas por não cumprirem os critérios populacionais mínimos ou por não terem entregado documentação exigida (a demonstração de viabilidade económico-financeira da autarquia).
As freguesias rejeitadas para a desagregação serão , depois, analisadas no parlamento por outro grupo de trabalho, só que ao abrigo do regime geral da lei de criação, modificação e extinção de freguesias.
Dada a aprovação deste lote de desagregações e até à reposição oficial das novas autarquias, nas próximas autárquicas, há muito trabalho e calendários apertados. A lei tem de ser promulgada pelo Presidente da República e a sua publicação tem de ser feita até seis meses das eleições.
“Lei Relvas” reduziu mais de mil freguesias
A janeiro de 2013 foi aplicada a “Lei Relvas”, por ter sido o então ministro Miguel Relvas um dos protagonistas. A lei reduziu 1.168 freguesias no continente, das então 4.260 para as atuais 3.092.
Tudo foi feito através da alteração dos seus limites territoriais, extinção ou agregação em uniões de freguesias de duas ou três autarquias.
A reforma, justificada como sendo para reduzir custos, estava prevista no acordo de reformas estruturais para Portugal, na altura sob assistência financeira por assinar com a “troika” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).
Na primeira fase foi pedido às populações e autoridades locais para aderirem voluntariamente ao processo e ajudarem nas decisões.
Com a forte contestação geral e a recusa deste pedido, a reforma foi imposta pelo Governo e aprovada na Assembleia da República pela coligação PSD/CDS-PP (no poder), recebendo votos contra dos restantes partidos.
A concretização da reforma levou à criação de associações e plataformas de protesto e pedidos e moções de diversas autarquias e partidos políticos. Ainda, criou-se a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) a exigir a reposição das autarquias agregadas.
Projeto de lei para reverter teve avanços e recuos
Já em 2015, em proposta Governo, o Partido Socialista assumiu «erros da extinção de freguesias a regra e esquadro», ao analisar a «reorganização territorial das freguesia», permitindo aferir «os resultados da fusão/agregação e corrigir os casos mal resolvidos».
O ministro Adjunto da altura, Eduardo Cabrita, aprovou em 2016 a constituição de um grupo de trabalho para estabelecer os «critérios gerais de avaliação da reorganização territorial» das freguesias, para «corrigir erros».
Os projetos do Governo, com a Associação Nacional de Municípios (ANMP) e com a Anafre formaram uma lei com os critérios para a criação, extinção e modificação de freguesias, permitindo àquelas que foram agregadas ou extintas reverter o processo. Estes projetos de lei demoraram dois anos, com a associação das freguesias a acusar o executivo de não querer reverter a reforma.
A Alexandra Leitão, ministra de então que passou a tutelar as autarquias não se comprometeu, em 2020, no parlamento, com a apresentação de uma proposta de lei que permitisse a reposição de freguesias que fosse a tempo das autárquicas de 2021.
A proposta de Regime Geral de Criação, Modificação e Extinção de Freguesias só foi aprovada pelo Governo a 22 de dezembro de 2020, passou na Assembleia da República e entrou em vigor em 21 de dezembro do 2021, já depois das autárquicas de 26 de setembro.
Processo sempre foi de «difícil concretização»
A nova lei-quadro estabeleceu critérios de criação de freguesias relacionados com a população, o território, a prestação de serviços aos cidadãos, a eficácia e eficiência da gestão pública, a história e a identidade cultural, bem como a vontade política da população.
Também previu um regime com os procedimentos para reverter a fusão de duas ou mais freguesias agregadas em 2013, que teriam de ter «início no prazo de um ano após a entrada em vigor» da nova lei – até dezembro de 2022.
O processo tinha de seguir vários procedimentos obrigatórios, com diversos critérios, pois era era iniciado na Assembleia de Freguesia e tinha de ser aprovado pela Assembleia Municipal, pelo respetivo município e passar pela aprovação da Assembleia da República.
A desagregação tinha de respeitar as condições em que as freguesias agregadas originalmente, «não podendo, em caso algum, dar origem a novas ou diferentes uniões de freguesias».
Ainda, as freguesias a desagregar tinham também de cumprir critérios mínimos de prestação de serviços à população, com demonstração da sua viabilidade económico-financeira, e respeitar critérios populacionais, como ter mais de 750 eleitores (nos territórios do interior é admitido apenas 250 eleitores).
Só depois seria entregue para análise da Assembleia da República, que poderia solicitar documentação em falta, retificações ou cumprimento de procedimentos, antes da votação.
As autarquias apontaram que o prazo de um ano para tudo isto era muito curto e, por isso, de «difícil concretização».
A Assembleia da República (AR) criou, então, um grupo de trabalho para analisar os 187 processos que recebeu de uniões de freguesias. O trabalho foi interrompido queda do parlamento em 2024.
Um novo grupo, a 10 de março de 2024, mas havia dúvidas sobre qual seria o procedimento que deveria estar cumprido até 21 de dezembro de 2022 e qual o momento em que deveria ser aferido o número de eleitores da freguesia candidata à desagregação.
Foi decidido que seriam rejeitados os processos de desagregação cuja Assembleia Municipal aprovou a desagregação após 21 de dezembro de 2022. Assim, rejeitaram-se 32 propostas de desagregação,
O grupo validou 124 processos de desagregação, mas PSD, PS, BE, PCP, Livre e PAN, incluíram mais 11, justificando que apresentaram entretanto provas de que os motivos pelos quais tinham sido rejeitados foram sanados.
Lei tem prazos muito apertados para ser aplicada
O Projeto de Lei que vai hoje a discussão e votação prevê que a reposição das freguesias agregadas em 2013 acontece «no momento da instalação dos seus novos órgãos, eleitos nas eleições autárquicas de 2025».
No entanto, os prazos estão muito apertados.
Cada uma das freguesias a repor terá uma Comissão Instaladora que organizará as eleições de 2025 e que se responsabilizará, por exemplo, pela atualização dos cadernos eleitorais das novas autarquias e por escolher a localização das sedes das juntas. Todas as comissões tomarão posse a 1 de julho.
Os atuais executivos das uniões de freguesias que vão ser desagregadas vão manter todas as outras competências legais até à tomada de posse dos órgãos eleitos nas autárquicas deste ano.
A proposta prevê, também, a criação de Comissões Executivas, para «promover as ações necessárias à extinção» de cada união de freguesia.
Caso a proposta seja aprovada, esta comissão tomará posse 30 dias após a entrada em vigor da lei e funcionará «até à conclusão da última instalação dos órgãos eleitos nas eleições autárquicas de 2025».
Os prazos previstos estabelecem que a Comissão de Extinção deve ter um inventário atualizado do património da união de freguesia a desagregar até 31 de maio e, assim, até 15 de junho, cada Comissão de Extinção pode aprovar os mapas finais.
Estes deverão ser ratificados pela Assembleia de Freguesia até 30 de junho e publicados posteriormente em Diário da República.
Tanto as comissões instaladoras como as comissões executivas serão presididas pelo atual presidente da Junta e terão, em número ímpar, como membros um elemento por cada partido ou grupo de cidadãos independentes e entre quatro ou cinco cidadãos recenseados no território.
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