Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Fernando Pessoa
As celebrações do 25 de Abril no Parlamento revelaram-se um espetáculo (circense) no qual todos encenaram o seu papel – desde André Ventura ao Presidente da Assembleia – para gáudio da imprensa, sempre voraz, e entretenimento do povo. Estas cerimónias são, no fundo, um bom barómetro da nossa ação política e do “estado a que chegámos”.
Uma ação política que ainda recentemente criticávamos por estar orientada por ciclos eleitoralistas, mas que tem hoje horizontes ainda mais curtos que terminam na espuma dos dias, na abertura dos telejornais ou das capas dos diários.
Uma ação política que ainda ontem criticávamos pela mediocridade dos seus protagonistas mas hoje não sentimos apenas falta da dimensão política, temos também saudades da elementar educação, como aliás revela a última edição da revista Sábado que relata insultos, manifestações de racismo e misógina por parte de deputados da república.
Na vida política portuguesa a planificação, as ideias e os programas estratégicos passam por tempos difíceis com os seus lugares ocupados pelo oportunismo de ocasião.
O debate político e o confronto de ideias têm ficado à porta, dando lugar aos insultos e ataques fulanizados num lamaçal onde ninguém sai ileso.
O sentido de Estado, a sobriedade e o respeito pelas instituições são hoje qualidades descontinuadas, com os políticos – mesmo os que assumem as mais altas responsabilidades – a procurarem diariamente a vaidade dos holofotes e os microfones da imprensa, demonstrando uma incontinência verbal constante até nos lugares mais insólitos como as feiras, as inaugurações, as visitas às obras e até nas praias, onde não faltam as famosas “selfies” onde se perde não só a noção das responsabilidades mas também a do ridículo.
Dia após dia o escândalo, a suspeita, a insinuação ocupam o horário nobre das televisões, roubando o espaço que antes foi das telenovelas.
O debate, o confronto de ideias e a procura de consensos são exercícios com poucos praticantes quando a larga maioria se vai entrincheirando em ataques polarizados numa guerra de todos contra todos na qual os contendores tentam humilhar, ridicularizar, arrasar, diminuir o seu adversário em espetáculos que procuram viralizar em vídeos nas redes sociais, com os quais atiçam e enganam os seus seguidores.
Parece que o estilo demagógico e boçal dos extremismos que ainda há pouco muitos criticavam está a ganhar terreno, colonizando os territórios políticos. Mesmo os outrora mais moderados, parecem cair, ainda que de modo subliminar, nas armadilhas da demagogia e do discurso belicoso e primário empobrecendo-se a ação política e tornando a política num lugar inóspito incapaz de seduzir a participação dos cidadãos.