O Tribunal de São João Novo, no Porto, condenou quatro militares da GNR, esta quinta-feira, por crime de tortura. O caso remota a 2019, onde os guardas terão sequestrado e torturado um homem durante nove horas no posto de Carvalhos, em Vila Nova de Gaia.
Pedro Rabaça, Patrick Henriques, Nuno Borges e Leandro Silva são os militares condenados a penas entre os quatro anos e quatro meses e os quatro anos de prisão. Os arguidos terão, ainda, que pagar quatro mil euros de indemnização à vítima e estarão proibidos de exercer funções durante dois anos.
O juiz Antonio Pedro destaca, na leitura da sentença, que o trabalho dos GNR «não é fácil» pois são «postos à prova todos os dias». No entanto, o crime cometido é «grave» e «domina a confiança que os cidadãos têm nas instituições».
A advogada Susana Mourão, que representa dois dos quatro arguidos, avançou, ao Jornal de Notícias, que vai recorrer da sentença.
A procuradora do MP apontou que José Miranda, usando o facto de ser um cabo já na reforma, «e mantendo relações mais ou menos próximas com os restantes arguidos», conseguiu convencê-los a ajudá-lo a recuperar um veículo que teria sido roubado por um vizinho.
Segundo a acusação, a 25 de agosto de 2019, quatro elementos da GNR foram buscar Paulo Ribeiro, de 29 anos, a casa da avó e levaram-no para o posto dos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia, onde esteve nove horas, entre as 13h00 e as 22h00.
A procuradora aponta que «começaram logo as irregularidades», pois «de acordo com o plano que todos tinham traçado», a vítima foi colocado num local sem luz ou lugar para se sentar, estando perto de «um amontoado de caixotes».
Ali, os guardas «começaram a bater no ofendido para o forçar a confessar o furto» e, quando uns se ausentavam, «iam sendo substituídos por outros». A magistrada acrescenta, ainda, que os outros guardas no posto «sabiam que as agressões estavam a decorrer ou tinham ocorrido».
«Agrediram e mantiveram o ofendido no posto, deixando que outros também o fizessem, atuando, desta forma, uns por ação, outros por omissão», vinca, dizendo, ainda, que a sala não foi escolhida por acaso. «Foi escolhida a dedo, uma vez que, pelas características que tinha, provocaria, como provocou, no ofendido uma grande desorientação. E permitiu que este não identificasse quem o agrediu, em que momento».
O Ministério Público aponta que está provado que Paulo Ribeiro foi, de facto, agredido. «Existem elementos clínicos e, obviamente, não foram as [únicas] agressões [perpetradas] pelo arguido José Miranda a provocar as lesões que o ofendido apresentava ao final do dia». Assim, os militares «aceitaram usar a violência física e psicológica sobre o ofendido para o obrigar a falar».
Nas alegações finais, a defesa dos arguidos pediu absolvição, com argumentos de se aplicar o princípio “in dubio pro reo” (em caso de dúvida, decide-se a favor do réu) já que, segundo os mesmos, não foi apurado quem fez o quê e como.
A defesa de José Miranda apontou que este, se fosse condenado, o deveria ser por ofensa à integridade física, mas não por tortura e sequestro.
Ataque provado
No julgamento, três dos nove militares acusados confessaram as agressões no interior do posto, mas disseram terem sido cometidas apenas por José Miranda, que ficou em silêncio.
Pedro Rabaça, afirmou que «houve agressões» a soco dentro do posto, que foram, segundo o mesmo, cometidas pelo cabo na reforma. No entanto, negou que tiveram lugar na «sala que não tinha qualquer iluminação natural». Ainda, disse que aconselhou a vítima a dizer onde estava a viatura, mas aponta que não o coagiu.
Ruben Rebelo e Jorge Neves também culparam José Miranda pelas agressões. Por outro lado, Patrick Henriques, Leandro Silva, Nuno Borges, Fernando Castro e Bruno Oliveira, este dois últimos à data do Núcleo de Investigação Criminal, garantem ser inocentes e dizem não ter participado e visto qualquer ataque.
Vítima não consegue identificar agressores
No julgamento, a vítima diz que foi insultada, ameaçada e agredida «várias vezes» em duas salas, uma delas sem janela e, ainda, no hall do posto. Segundo o mesmo, foi algemado a uma cadeira, atacado com uma mangueira e ameaçado com uma arma por vários militares. No entanto, não consegue dizer quem foram os autores.
O presidente do coletivo de juízes, António Pedro, insistiu para que Paulo Ribeiro fizesse um esforço para se lembrar, a vítima apontou um guarda «careca» e que teria «40 a 50 anos», vestido à civil.
Ainda, disse que as agressões de José Miranda foram as menos graves quando comparadas com outros guardas.
Juízes não chegam a acordo
Um juiz de instrução criminal do Porto não confirmou a acusação e queria não levar os nove arguidos a julgamento. No entanto, o Ministério Público interpôs recurso desse despacho.
Assim, o Tribunal da Relação do Porto concluiu, em dezembro de 2022, que havia «uma alta probabilidade de futura condenação, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição» dos acusados, pronunciando-os a julgamento.
Os juízes desembargadores Amélia Catarino, Maria Joana Grácio e Paulo Costa dizem que a deslocação à casa da vítima e condução ao posto, para identificação por suspeita de crime, é «ilegal»
«O ofendido não se encontrava em lugar público, aberto ao público ou sob vigilância policial, nem era desconhecido [do GNR aposentado a quem havia sido furtado o veículo]», apontam.
Os juízes acusaram, ainda, os restantes guardas de não garantirem «a segurança interna e os direitos dos cidadãos».
«Cometem os crimes de sequestro por omissão os militares da GNR que se encontravam naquele posto, que tinham o domínio da situação, e com ele um dever de atuar, e que o não fizeram, não tendo impedido que os arguidos agentes do crime por ação cerceassem e retirassem a liberdade ao ofendido», vincam.
Para os desembargadores, a vítima foi agredida, pelo menos, pelo GNR cabo na reforma.
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Com Jornal de Notícias