OPINIÃO -

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Reflexões em tempo de pandemia

Pertenço à geração de portugueses nascida num Portugal democrático e totalmente integrado no espaço Europeu. Nasci num tempo de evoluções rápidas e longe das revoluções e turbulências doutros tempos. A minha geração não sabe, felizmente, o que significa deixar o conforto do lar para ir para uma guerra nem precisou de fazer uma revolução, pois quando conhecemos o mundo já a democracia era uma realidade consolidada em Portugal. Somos uma geração que gozou dos direitos alcançados pela luta daqueles que nos antecederam; somos a geração do SNS e da educação acessível a todos. Crescemos numa sociedade alimentada por uma evolução incessante onde, a cada dez anos, o mundo parece evoluir mais do que nos últimos cem. A toda a hora, novas tecnologias foram criadas para nos oferecer um sem número de comodidades que nos vão alimentando a ilusão de infinitude. Crescemos num mundo que nos pareceu sempre inabalável, seguro, dominado. Por isso, hoje, é-nos difícil encaixar a ideia de que os tempos que estamos a viver são mesmo realidade. Todos os dias acordo e pergunto-me como é possível isto estar a acontecer? Gostava que fosse ficção. Dizem-nos que estamos a viver a pior crise desde o final da Segunda Guerra Mundial (Giuseppe Conte, Primeiro Ministro Italiano). E é, de facto! De repente, somos nós as personagens da História. Por mais que o Homem mostre vontade para acabar com o pesadelo, a natureza das coisas não se revela compassiva para esperar por uma solução e vai ceifando vidas por esse mundo fora.

Há todo um mundo novo que a pandemia criada pelo coronavírus colocou a descoberto. O terrorismo deixou de ser a nossa principal ameaça, a economia deixou de ser a prioridade e a saúde passou para primeiro plano, no lugar onde sempre mereceu estar. O teletrabalho surgiu em força e disseminou-se no mundo empresarial, quase tão depressa como o coronavírus se espalhou pelos quatro cantos do mundo. Afinal, em muitos setores da economia é possível trabalhar a partir de casa sem comprometer a eficiência, melhorando a gestão de tempo dos trabalhadores e a sua capacidade para conciliar a vida profissional, social e familiar. E até se conseguem aumentos do rendimento por via indireta através da redução nas despesas de deslocação para o trabalho e também nas refeições fora. Na política deixou de se fazer oposição só porque sim e todos se uniram pela mesma causa, deixando de lado as tricas partidárias que, às vezes, tolhem mais do que aquilo que nos dão. Até o PCP passou a admitir a complementaridade dos privados no combate às insuficiências do SNS que se preveem vir à tona com o evoluir da curva de infetados. A necessidade de medidas urgentes, particularmente no setor da saúde, onde trabalho, mostrou um Estado menos burocrático e mais pragmático e, por isso, num tempo recorde, os hospitais redefiniram-se e os centros de saúde reorganizaram-se de uma ponta a outra para dar lugar a um paradigma completamente novo para fazer face à pandemia.

Há um antes e um depois da pandemia por coronavírus. O mundo mudou. Diz o Papa Francisco que «a tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades». Num ápice, ficamos pequeninos. Perdemos o conforto e a liberdade para sair à rua, ir ao café ou visitar os amigos. Abraçar tornou-se missão impossível. Fomos forçados a uma espécie de Exílio dentro dos nossos próprios muros. Perdemos quase tudo. Por um tempo. Como diria Sophia de Mello Breyner “Quando a pátria que temos não a temos/Perdida por silêncio e por renúncia/Até a voz do mar se torna exílio/E a luz que nos rodeia é como grades.

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