O Tribunal da Relação de Guimarães anulou a pena de multa de 1.800 euros, por crime de maus-tratos a quatro cães, aplicada em 2021 pelo Tribunal de Vila Verde a Christien Feteira, de 32 anos, que foi julgada por não dar de comer e não cuidar da limpeza dos animais que tinha à sua guarda numa casa em Cervães.
O acórdão, a que “O Vilaverdense” teve acesso, anula, também, a proibição de deter animais de companhia.
Os juízes consideraram existir uma inconstitucionalidade: “porque consideramos materialmente inconstitucional o artigo 387.º do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, por violação dos artigos 27.º e 18.º, § 2.º e 29.º, § 1.º, da Constituição, recusamos a sua aplicação e, em consequência, concluímos pela inverificação do ilícito que se imputava à arguida, devendo por tal razão a mesma ser dele absolvida.” , escrevem.
O acórdão diz, ainda, que a” descrição típica do ilícito em referência apresenta um nível de indeterminação que é incompatível com o princípio enunciado. Basta ver a indeterminação do que possa cogitar-se serem «quaisquer outros maus tratos físicos» e a não menor indeterminação do que seja o próprio objeto da infração («animal de companhia»). Com isso saindo vulnerado o artigo 29.º, § 1.º da Constituição”.
O Tribunal sublinha que “não se questiona, evidentemente, a necessidade de proteção jurídica dos animais e da punição dos atos de crueldade sobre eles. O que nos suscita sérias reservas, desde logo de constitucionalidade, nos termos sucintamente sobreditos, é a mobilização do direito penal de justiça, para esse desiderato. O Tribunal Constitucional já se pronunciou, pelo menos, duas vezes pela inconstitucionalidade material do artigo 387.º”.
Contactado a propósito, o advogado de defesa João Araújo Silva, que recorreu da sentença, disse que a decisão “é um marco histórico na justiça e na advocacia, que faz história no Direito português”.
CONDENADA EM VILA VERDE
Recorde-se que, em julgamento, a arguida alegara que, “à data dos factos, em 2019, não vivia em união de facto com Emanuel Senra, proprietário dos canídeos – de quem tem um filho – e que foi este quem os abandonou, no dia anterior à denúncia da Associação de defesa dos animais e ambiente de Vila Verde, não lhe incumbindo qualquer dever de guarda”.
O Tribunal vilaverdense dera, no entanto, como provado que a arguida – natural do Luxemburgo, país onde reside – tinha um cão e o seu companheiro quatro, os quais viviam no quintal residência, sendo que, quando ele se ausentou para França, no início de 2019, os animais ficaram ao seu encargo exclusivo.
Segundo a sentença de primeira instância, a arguida “alheou-se por completo dos cuidados inerentes aos canídeos, não lhes dando comida nem água, não os lavando nem recolhendo as suas fezes e descurando as suas condições de saúde”.
“A pouca alimentação dos animais era fornecida por vizinhos que, com pena deles, introduziam gamelas com comida e água por baixo da rede que circunda o quintal e que, de resto, impedia os animais de sair”, sublinha a magistrada.