OPINIÃO

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Tráfico de seres humanos

Texto de Rafael Gonçalves Fernandes (Criminólogo)

O tráfico de seres humanos (TSH) é um crime hediondo, que lesa bens jurídicos fundamentais, como o direito à liberdade, integridade física e honra, entre outros, constituindo assim uma grave violação dos direitos humanos. Uma das definições mais consensuais de TSH é a da União Europeia, disponível na Diretiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho.

De acordo com o artigo 2.º da presente diretiva, entende-se por tráfico de seres humanos o “recrutamento, transporte, transferência, guarida ou acolhimento de pessoas, incluindo a troca ou transferência do controlo sobre elas exercido, através do recurso a ameaças ou à força ou a outras formas de coação, rapto, fraude, ardil, abuso de autoridade ou de uma posição de vulnerabilidade, ou da oferta ou obtenção de pagamentos ou benefícios a fim de conseguir o consentimento de uma pessoa que tenha controlo sobre outra para efeitos de exploração”.

Qualquer consentimento dado pela vítima é irrelevante e desconsiderado, até porque para haver a existência deste crime tem de se verificar uma sujeição e subordinação da vítima, contra a sua própria vontade. O TSH pressupõe sempre a ação, o meio e o fim. A ação no que se refere ao recrutamento, transporte e transferência das pessoas, o meio com o recurso do uso da força, coerção, fraude, engano, abuso de poder e vulnerabilidade e o fim que é o objetivo da exploração como conta na definição. Muitas das vezes o TSH surge associado à imigração ilegal, assim como à criminalidade organizada, daí ser um fenómeno complexo de se definir.

O modus operandi dos traficantes de seres humanos é diversificado, pode ir desde o tráfico forçado e/ou recorrendo a meios fraudulentos. O tráfico forçado caracteriza-se pelo uso da violência exercida sobre a vítima, é considerada a forma de TSH mais grave, pois a vítima, além de ter o impacto do tráfico propriamente dito, ainda acarreta com agressões que põem em causa a sua integridade física. O tráfico por meio fraudulento, como o próprio nome indica, consiste em defraudar a vítima, oferecendo-lhe determinadas condições laborais, escondendo a pura realidade do trabalho que irá ter.

O TSH é realizado por vários motivos, designadamente para exploração sexual, laboral, extração de órgãos, escravidão, mendicidade forçada, exploração de atividades criminosas e adoção. O TSH é a terceira atividade ilícita mais rentável do mundo, sendo apenas ultrapassada pelo tráfico de drogas e de armas e que, segundo dados do Parlamento Europeu, gera uma receita anual estimada em cerca de 117 mil milhões de euros.

Segundo o Global Estimates of Modern Slavery: Forced Labour and Forced Marriage (2022, p.17) estima-se que cerca de 6,3 milhões de pessoas em todo o mundo são vítimas de tráfico sexual, sendo correspondente a quase 5 milhões pessoas do sexo feminino e as restantes do sexo masculino. Do número total de vítimas de tráfico para fins sexuais, cerca de 1,6 milhões são crianças. Segundo o mesmo relatório, estima-se que as vítimas de tráfico para fins laborais são cerca de 17 milhões de pessoas, sendo 11 milhões do sexo masculino e 6 milhões do sexo feminino.

Conforme o Relatório Anual de Segurança Interna referente ao ano de 2023, em Portugal, continua-se a verificar situações de tráfico de pessoas, principalmente para fins de exploração laboral, nomeadamente no setor da silvicultura, pesca marítima costeira, mas principalmente na agricultura e futebol. No presente relatório, foram registados como presumíveis vítimas cerca de 57 menores, sendo confirmadas 36 sinalizações e ainda registados 533 adultos como presumíveis vítimas, das quais 92 sinalizações já foram confirmadas. Verificou-se mais prevalência de tráfico laboral nos distritos de Braga, devido à operação El Dourado, e ainda em Beja e Bragança.

O TSH é um crime execrável que viola fortemente os direitos fundamentais das pessoas. É um crime que não reconhece fronteiras e com carácter intrinsecamente comercial, pois apenas nasce do encontro da oferta com a procura, ou seja, o mercado do tráfico de seres humanos é alimentado e mantido, pela pequena tranche de pessoas que procuram outras para as traficar. Embora tenham sido implementados mecanismos de combate ao TSH a nível nacional e internacional, ainda há muito a ser feito para prevenir este crime. É fulcral continuar a desenvolver políticas públicas eficazes, mas também uma mudança cultural e social que promova a igualdade, a justiça e o respeito pelos direitos humanos.

Fontes

  • Diretiva 2011/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho
  • Global Estimates of Modern Slavery: Forced Labour and Forced Marriage
  • Relatório Anual de Segurança Interna referente ao ano de 2023
  • Tráfico de seres humanos – Dificuldades e desafios da prevenção e repressão
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