Em 1947, o Alentejo recebeu, com muita alegria, a Imagem de Nossa Senhora de Fátima que percorreu todos os seus concelhos. O seu rico património sagrado prova bem a sua crença em tempos passados, mas, em meados do século XIX, certas correntes anticlericais influenciaram o poder político, agravando-se com a 1ª República, fazendo diminuir essa religiosidade em muitas regiões do país com perseguições ao clero e às práticas religiosas, sendo o Alentejo também afetado por isso, de tal forma que, em certas regiões, quase se extinguiram essas práticas. Apesar disso, por estranho que pareça, a devoção a Nossa Senhora manteve-se. Refiro, como exemplo, uns panfletos de um anticlerical, Brito Camacho (médico militar, escritor, publicista e político, exercendo importantes cargos governamentais…), de Aljustrel, não permitindo que se falasse contra Nossa Senhora do Castelo e, além disso, dizia-se que visitava sempre, antes de ir à sua terra natal, Nossa Senhora do Castelo que denominava como sua madrinha.
A imagem Peregrina, que iniciou o seu périplo por terras transtaganas (latim: Tagus = Tejo), saindo, no dia 13 de outubro de 1947, da Cova da Iria, numa camioneta/andor, vai provar e reavivar a devoção mariana pouco ativa, mas mantida no coração deste povo que foi reconquistado pela “Grande Missionária de Deus”, espalhando a Sua Luz Consoladora. Enormes multidões acolheram, com todo o carinho, a Mãe do Céu.
Várias peripécias aconteceram ao longo deste percurso alentejano. Em Coruche, na despedida, um campino, ao microfone, com autorização, pediu aos seus conterrâneos para agradecerem a Nossa Senhora: «Há tanto tempo que tantos queriam ir à Cova da Iria e não podiam e agora é Nossa Senhora que nos vem visitar.» No dia anterior, em Santarém, uma mulher do povo, com a sua filha elevada nos seus braços, grita: «Olha, filha, Nossa Senhora de Fátima! Quantas vezes a tua mãe lá queria ir e não pôde.» Em Ponte de Sor, a ânsia de ver a Imagem de Nossa Senhora era tal que os trabalhadores ajoelhavam-se, acenando com as mãos. Até o gado bovino, ovino e caprino traziam para que a Virgem ao passar abençoasse “a terra, as gentes e os animais.”
Assim continuou a afluência, o entusiasmo e a piedade dos fiéis por todo o Alentejo com revelações curiosas: em Alter do Chão um farmacêutico não permitiu que a esposa ornamentasse a sua casa, como a grande maioria tinha o prazer de o fazer. “A mulher fez-lhe a vontade, mas pôs sobre a padieira da porta um grande letreiro – «Senhora, dai-nos a Luz!» Em Sousel, nos Paços do Concelho era um mar de luz a brilhar no meio de tantos ornamentos e a incidir num grande cartaz que dizia: «Virgem Santa, aqui tendes a Vossos pés o povo de Sousel.» Na vila de Fronteira houve uma grande transformação interior na sua população que não era muito praticante. Relata o Cónego Carlos de Azevedo, autor do capítulo que estou a ler e observador de todos estes factos, haver muitas conversões, recorrendo ao sacramento do batismo dezenas de adultos, ao casamento católico algumas dezenas e acorrendo ao local um número incontável de descrentes que vibravam com a passagem daquela imagem branca e florida com as pombas pousadas aos seus pés, algumas delas, durante quase toda a peregrinação. Ensejo providencial do incremento da fé e de voltar à prática religiosa. «Só quem conhecesse de perto a indiferença, nas coisas de Deus, daquela gente podia avaliar bem o progresso realizado.» Nossa Senhora é a Luz de todos os povos, a Mãe que chama a Si os Seus filhos.
Em determinada freguesia, um criador de pombas, descrente, afirmou que só acreditaria se duas pombas que iria soltar fossem pousar no andor. Assim aconteceu, as duas pombas foram diretamente parar aos pés da Imagem, deixando toda a gente estupefacta com tal acontecimento, conservando-se, ali, alguns dias e noites.
Em Évora houve momentos miraculosos onde “mais de mil e quinhentas pessoas se abeiraram dos sacramentos e na bênção dos doentes uma criança paralítica foi curada.” Em Vimieiro do concelho de Arraiolos, como tantas outras localidades, recebeu a Virgem Santíssima com exaltação e propósito de emenda, “prometendo todos, numa só voz, que não trabalhariam mais aos domingos, nem faltariam à missa.”No dia 7 de dezembro, em Beja, houve outros acontecimentos que deixaram toda a gente assombrada: “no momento da bênção dos doentes, uma mulher paralítica, há já alguns anos, e uma criança, também com o mesmo problema, começaram a andar, tendo os médicos comprovado tal mistério.
Principal fonte destas crónicas: “Fátima Altar do Mundo”, 3 volumes, sob a direção literária do Dr. João Ameal da Academia Portuguesa da História…