Crónica de Salvador de Sousa
A Imagem Peregrina, após percorrer Angola, embarca, agora no paquete “Pátria”, deixando o Oceano Atlântico para dobrar o “Cabo das Tormentas” que, ultrapassado, passou a ser o da Boa Esperança, como Camões, expressivamente, nos relata nos “Lusíadas”. Esta passagem de Nossa Senhora neste local que os nossos antepassados tanto temiam para chegar à Índia e que Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e outros navegadores do século XV tanto imploraram a Santa Maria para vencerem aquele obstáculo tão temido, parece ser um profundo agradecimento à Mãe de Deus que, naqueles momentos, passou este temido local, mas no coração dos portugueses.
Foi assim que o “Pátria” chegou a Moçambique, em pleno Oceano Índico, para levar a esta gente que jamais perdeu esse amor à Virgem. O anúncio desta visita foi feito, em 30 de Julho de 1948, pelo Eminentíssimo Cardeal de Lourenço Marques (Maputo), Dom Teodósio de Gouveia, para que tudo fosse, amorosamente, preparado para receber, com toda a dignidade, aquela tão simbólica presença.
A grandiosidade de todo aquele aparato do desembarque no cais de Lourenço Marques (Maputo), mostra bem o carinho e a profunda devoção à Santíssima Virgem. Estavam presentes o cardeal de Lourenço Marques, o Governador-geral, o Comandante Gabriel Teixeira e milhares de devotos, além de centenas de embarcações adornadas e alguns navios.
O cortejo seguiu para a catedral após o prelado, banhado em lágrimas, saudar aquela Materna Figura que vinha alegrar e rejuvenescer tantos corações. Foi lindo, nesse percurso, todo aquele maravilhoso cenário, engrandecido, ainda mais, com milhares de crianças caminhando à frente do andor. Ouviram-se orações e cânticos marianos, culminando, na Catedral, com um gesto do Eminentíssimo Cardeal colocando nas mãos da Virgem um Rosário de ouro, simbolizando a interiorização e a entrega das gentes moçambicanas ao pedido insistente de Nossa Senhora aos Pastorinhos para a oração do Rosário.
A peregrinação, como não podia esquecer, visitou, logo a seguir, Munhuana e Namaacha. Foi aqui, nesta localidade, que, em 1942, na comemoração dos 25 anos das Aparições de Fátima e em plena guerra mundial, o Cardeal Gouveia mandou erigir um Santuário dedicado a Nossa Senhora de Fátima, cumprindo uma sua promessa feita durante o terrível conflito mundial. Daí em diante, tornou-se um centro de grandes peregrinações anuais, sobretudo em Maio, onde convergem fiéis de variadas crenças religiosas que participam e colaboram na organização destas peregrinações.
Durante esses dias, Lourenço Marques (Maputo) assemelhava-se à Cova da Iria com as ruas e praças repletas de gente, assistindo, com muita fé, a todos os atos litúrgicos que iam acontecendo. Indígenas que se aliavam com fervor e entusiasmo, correndo atrás do carro/andor, mesmo os não católicos sentiram uma força espiritual secreta que os movia para junto da Virgem de Fátima, aclamando-a. Em Chibuto, com uma comunidade de maometanos bastante acentuada, segundo o Cónego Carlos de Azevedo, também eles quiseram prestar a homenagem a Nossa Senhora, fazendo questão de levar aos seus ombros o andor. Mesmo pagãos quiseram prestar, à sua maneira, o seu culto a Maria com danças e rituais próprios, não deixando de tocar, com as suas “marimbas”, o Ave de Fátima.
Dom Teodósio acompanhou e foi a todas as localidades da sua diocese, sujeitando-se a pernoitar em pobres “cubatas”. Além das localidades já referidas, o cortejo peregrino, sempre envolvido em solenes manifestações, passou por: Marracuene, Manhiça, Magude, Xinavane, Vila João Belo, Chibuto, Zandamela, Chidenguele, Zavala, Mocemelei, Inharrime, Homoíne, Massinga, Maxixe, Inhambane e outros locais.
Por todas estas aldeias, vilas e cidades grandes prodígios aconteciam, além de se verem maometanos que gastavam milhares de escudos nos enfeites e iluminações das suas habitações, nas grinaldas de flores que depositavam aos pés da Virgem e na participação nas Eucaristias. Em Inhambane, houve um que pediu uma flor colocada ao lado da Imagem para um seu familiar enfermo, também da mesma religião, que ao recebê-la referiu: «Tenho fé em Nossa Senhora.»
Principal fonte destas crónicas: “Fátima Altar do Mundo”, 3 volumes, sob a direção literária do Dr. João Ameal da Academia Portuguesa da História; direção artística de Luís Reis Santos…