O Sindicato dos Enfermeiros – SE alerta para as condições extremamente precárias dos cuidados de saúde prestados nos estabelecimentos prisionais portugueses, sublinhando que o número de enfermeiros é “manifestamente insuficiente”, dando como exemplo o caso de um enfermeiro no turno da noite ter a seu cargo 600 reclusos.
Este alerta surge na sequência da recente fuga de cinco reclusos perigosos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, caso que trouxe maior visibilidade a muitas falhas já conhecidas. Contudo, para a direcção do Sindicato dos Enfermeiros estas carências são de longa data e vão muito além da falta de guardas prisionais.
“Os enfermeiros também são escassos, o que compromete seriamente a prestação de cuidados de saúde nos estabelecimentos prisionais e coloca em risco tanto os profissionais como os reclusos”, afirma a direcção do SE.
SITUAÇÃO INSUSTENTÁVEL
Acrescenta que “os rácios de enfermeiros estão muito abaixo das reais necessidades, criando uma situação insustentável, tanto para os profissionais de saúde como para os utentes dos serviços prisionais”.
O SE denuncia ainda uma série de “problemas sérios” que agravam a prestação de cuidados de saúde nas prisões. Um dos aspectos “mais preocupantes” é a falta de coerência na avaliação dos enfermeiros, com alguns profissionais a serem avaliados através do SIADAP (Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública), enquanto outros não estão sujeitos a este sistema, “criando desigualdades e injustiças que afectam a progressão na carreira e a avaliação de desempenho”.
Além disso, o sindicato refere que a terapêutica prescrita aos reclusos nem sempre é administrada por profissionais de saúde habilitados, colocando em risco a saúde dos reclusos, visto que a administração de medicamentos e tratamentos deve ser feita com rigor e competência técnica, algo que não acontece em muitas das prisões devido à escassez de recursos e à sobrecarga dos enfermeiros.
“A questão é de tal forma dramática que numa cadeia existem apenas 1 enfermeiro no turno da noite para uma população prisional de 600 reclusos”, assegura o SE, sem revelar de que cadeia se trata.
Outro problema destacado pelo sindicato é a falta de acesso dos enfermeiros a telemóveis, mesmo que façam turnos de seis ou mais horas, enquanto outros grupos profissionais de saúde, que também estão em contacto com a população reclusa, podem entrar com os seus telefones.
Igualmente, também o acesso ao Sclínico, o sistema informático clínico que permite aceder ao historial clínico dos reclusos, está bloqueado.
“Esta medida cria barreiras sérias na comunicação em saúde, na gestão de tratamentos e no acompanhamento dos casos, resultando muitas vezes na repetição desnecessária de exames, o que sobrecarrega os serviços e desperdiça recursos”, denuncia a estrutura sindical. ~
E acrescenta: “os enfermeiros têm de trabalhar com registos clínicos antiquados e desactualizados, o que dificulta a sua actuação e a tomada de decisões clínicas informadas. Além disso, os equipamentos informáticos utilizados estão obsoletos, o que representa mais um obstáculo à eficiência e qualidade dos cuidados prestados.”
RISCOS
A falta de material e medicação é outra “questão central” do alerta do SE, sendo recorrente a escassez de medicamentos essenciais e de material básico para a prestação de cuidados adequados.
Segundo o SE, “estas falhas comprometem a capacidade de resposta às necessidades de saúde dos reclusos, muitos dos quais apresentam patologias crónicas ou necessitam de cuidados regulares e especializados”.
“A par destas insuficiências, a escassez gritante de enfermeiros agrava ainda mais a situação, obrigando os profissionais a trabalhar sob uma pressão constante e a cobrir uma população muito superior à que deveria ser atribuída a cada enfermeiro”, aponta.
A direcção do SE salienta também que o subsídio de risco, que corresponde a 41% do índice mais baixo da tabela remuneratória, não está a ser pago de “forma justa e equitativa” aos enfermeiros que trabalham em estabelecimentos prisionais, apesar de estarem expostos a um risco acrescido devido ao ambiente de trabalho.
“A isto soma-se o facto de nem sempre haver médicos disponíveis diariamente nos estabelecimentos prisionais, o que coloca uma carga adicional sobre os enfermeiros, que acabam por ser os únicos profissionais de saúde presentes em algumas ocasiões, mesmo quando os casos requerem avaliação médica”, afirma.
APELO AO GOVERNO
A direcção do SE apela, assim, ao Governo e às autoridades competentes para que “tomem medidas urgentes no sentido de resolver estas falhas estruturais, assegurando um número adequado de profissionais de saúde nos estabelecimentos prisionais, actualizando os equipamentos e registos clínicos, garantindo o acesso aos meios de comunicação e ao historial clínico dos reclusos, e providenciando o material e medicação necessários para a prestação de cuidados de saúde de qualidade”.
O sindicato defende que a atribuição de subsídios de risco adequados e a disponibilidade diária de médicos “são também medidas essenciais para melhorar as condições de trabalho e garantir um sistema prisional mais seguro e eficaz”.
A situação actual, reitera a direcção do SE, “é insustentável e prejudica tanto os profissionais como os reclusos, sendo necessário agir com urgência para evitar o colapso total dos cuidados de saúde nos estabelecimentos prisionais portugueses”.