Os crentes, perante todas as atitudes já relatadas na crónica anterior e de outras que foram surgindo ao longo do mês de outubro de 1917, mormente em Santarém, não puderam resistir a tantas ignóbeis ações levadas a efeito sem escrúpulo, nem respeito pela fé em Deus e em Nossa Senhora dos seus semelhantes. Um grupo de católicos elaborou, então, e divulgou um manifesto, datado do dia 28 de outubro de 1917, gritando bem alto, “desagravando a gente séria e sã da nobre cidade” de Santarém, do qual vou transcrever algumas passagens:
«Como crentes e como cidadãos, como filhos de uma pátria que foi grande pela fé dos nossos guerreiros e pelo heroísmo dos nossos santos; como habitantes de uma cidade que timbrou sempre em manter foros de culta e civilizada, vimos levantar bem alto o nosso protesto, sincero e sentido, energético e vibrante, contra o ignóbil cortejo que percorreu as principais ruas de Santarém, com a tolerância dos representantes da autoridade.
Nesse cortejo macabro eram exibidos, com uma irreverência própria dos selvagens, os objetos que alguns carbonários capitaneados … pelo regedor…e por outros indivíduos tinham arrebatado furtivamente na Cova da Iria… Não há memória dum atentado tão abjeto e repugnante contra as crenças do povo e contra as tradições e a dignidade duma população que se preza de bem-educada e de respeitadora das crenças alheias…»
13 de maio de 1920
No dia 13 de maio de 1920, coincidente com a festa da Ascensão, era esperada em Fátima uma grande peregrinação. A Federação Portuguesa de Livre Pensamento, organização maçónica, tudo fez para impedir a vinda dos crentes a esse ato comemorativo da primeira Aparição na Cova da Iria. O Exército, Infantaria e Cavalaria, a Guarda Nacional Republicana… queriam, à força, formando um cordão para não deixarem passar os fiéis, mas não conseguiram, em parte, frustrar os intentos dos peregrinos que, por atalhos, carreiros, montes, campos… lá foram chegando ao seu destino.
Tudo foi preparado ao pormenor pelas autoridades. O Administrador, Artur de Oliveira Santos, convocou, atempadamente, no dia 30 de abril, os regedores do concelho para uma reunião no dia 6 de maio, enviando-lhes, no dia 8 de maio, uma circular com o que deviam fazer na tentativa de evitar, segundo ele, a repetição da mistificação do caso de Fátima que se preparava para o dia 13. Um ofício da Federação, acima referida, prova bem a implicação do Administrador e dos seus comparsas: «A Federação Portuguesa do Livre Pensamento vem perante V. Ex.a patentear-lhe a sua mais profunda simpatia pela forma altamente republicana e livre pensadora como agiu dentro da questão do pretendido milagre de Fátima, com que a reação, jesuítica e clerical, pretende explorar a ignorância popular…»»
Termino com algumas passagens do ofício do dia 5 de junho de 1920 do Sr. Oliveira Santos (Administrador) em resposta aos emissores do anterior. Vejam o ódio e o desespero dos movimentos anticlericais da altura:
«Acuso a receção do ofício de 15 do mês findo… A reação sofreu no dia 13 de maio, graças às providências do governo da presidência do grande patriota e republicano ilustre cidadão António Maria Batista, um grande golpe que lhe destruiu a projetada parada com que pretendiam não só explorar mais uma vez com a ingenuidade do povo inculto como também preparar um fio de onde faziam os seus ataques odientos contra a República.
Não desarmaram ainda os promotores da Fátima, todos eles autênticos inimigos da República, pois pretendem fazer com todo o aparato a trasladação de um cadáver de uma infeliz criança falecida em Lisboa … e ainda se servem da chamada vidente Lúcia de Jesus, criança de 13 anos, uma pobre doente, para melhor explorarem o povo ignorante…» Estas palavras, para mim, são arrepiantes, irritando, na sua grande maioria, não só o povo, mas também o clero, muitos catedráticos e cientistas da altura, em suma: praticamente, todas as classes sociais…). Mais uma vez afirmo: Deus quis e Fátima venceu!
Principal fonte destas crónicas: “Fátima Altar do Mundo”, 3 volumes, sob a direção literária do Dr. João Ameal da Academia Portuguesa da História…